Muito
antes de haver história, já havia seres humanos. Animais bastante
similares aos humanos modernos surgiram por volta de 2,5 milhões de
anos atrás. Mas, por incontáveis gerações, eles não se
destacaram da miríade de outros organismos com os quais partilhavam
seu habitat.
Em
um passeio pela África Oriental de 2 milhões de anos atrás, você
poderia muito bem observar certas características humanas
familiares: mães ansiosas acariciando seus bebês e bandos de
crianças despreocupadas brincando na lama; jovens temperamentais
rebelando-se contra as regras da sociedade e idosos cansados que só
queriam ficar em paz; machos orgulhosos tentando impressionar as
beldades locais e velhas matriarcas sábias que já tinham visto de
tudo. Esses humanos arcaicos amavam, brincavam, formavam laços
fortes de amizade e competiam por status e poder – mas os
chimpanzés, os babuínos e os elefantes também. Não havia nada de
especial nos humanos. Ninguém, muito menos eles próprios, tinha
qualquer suspeita de que seus descendentes um dia viajariam à Lua,
dividiriam o átomo, mapeariam o código genético e escreveriam
livros de história. A coisa mais importante a saber acerca dos
humanos pré-históricos é que eles eram animais insignificantes,
cujo impacto sobre o ambiente não era maior que o de gorilas,
vaga-lumes ou águas-vivas.
Os
biólogos classificam os organismos em espécies. Consideram que os
animais pertencem a uma mesma espécie se eles tendem a acasalar uns
com os outros, gerando descendentes férteis. Cavalos e jumentos têm
um ancestral recente em comum e partilham muitos traços físicos,
mas demonstram pouco interesse sexual uns pelos outros. Acasalam
entre si se forem induzidos a isso – entretanto seus descendentes,
chamados mulas, são estéreis. Mutações no DNA dos jumentos podem
nunca ter passado para os cavalos, e vice-versa. Os dois tipos de
animais são consequentemente considerados duas espécies diferentes,
trilhando caminhos evolucionários distintos. Já um buldogue e um
spaniel podem ser muito diferentes em aparência, mas são membros da
mesma espécie, partilhando a mesma informação de DNA. Acasalam
entre si alegremente, e seus filhotes, ao crescer, cruzam com outros
cachorros e geram mais filhotes.
As
espécies que evoluíram de um mesmo ancestral são agrupadas em um
“gênero”. Leões, tigres, leopardos e jaguares são espécies
diferentes do gênero Panthera. Os biólogos nomeiam os
organismos com um nome duplo latino, o gênero seguido da espécie.
Os leões, por exemplo, são chamados Panthera leo, a espécie
leo do gênero Panthera. Ao que tudo indica, todos os
que estão lendo este livro são Homo sapiens – a espécie
sapiens (sábia) do gênero Homo (homem).
Os
gêneros, por sua vez, são agrupados em famílias, como a dos
felídeos (leões, guepardos, gatos domésticos), a dos canídeos
(lobos, raposas, chacais) e a dos elefantídeos (elefantes, mamutes,
mastodontes). Todos os membros de uma família remontam a um mesmo
patriarca ou matriarca original. Todos os gatos, por exemplo, dos
menores gatos domésticos ao leão mais feroz, têm em comum um
ancestral felídeo que viveu há cerca de 25 milhões de anos.
O
Homo sapiens também pertence a uma família. Esse fato banal
costumava ser um dos segredos mais bem guardados da história.
Durante muito tempo, o Homo sapiens preferiu conceber a si mesmo como
separado dos animais, um órfão destituído de família, carente de
primos ou irmãos e, o que é mais importante, sem pai nem mãe. Mas
isso simplesmente não é verdade. Gostemos ou não, somos membros de
uma família grande e particularmente ruidosa chamada grandes
primatas. Nossos parentes vivos mais próximos incluem os chimpanzés,
os gorilas e os orangotangos. Os chimpanzés são os mais próximos.
Há apenas 6 milhões de anos, uma mesma fêmea primata teve duas
filhas. Uma delas se tornou a ancestral de todos os chimpanzés; a
outra é nossa avó.
Yuval
Noah Harai, in Sapiens – uma breve história da humanidade
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