Mas,
de seguinte, eu pensei! se matarem a velha Duzuza, pelo resguardar o
segredo, então é capaz que matem a filha também, Nhorinhá...
então é assassinar! Ah, que se puxou de mim uma decisão, e eu abri
sete janelas! ― Disso que você disse, desconvenho! Bulir com a
vida dessa mulher, para a gente dá atraso... ― eu o quanto falei.
Diadorim me adivinhava! ― Já sei que você esteve com a moça
filha dela... ― ele respondeu, seco, quase num chio. Dente de
cobra. Aí, entendi o que pra verdade! que Diadorim me queria tanto
bem, que o ciúme dele por mim também se alteava. Depois dum rebate
contente, se atrapalhou em mim aquela outra vergonha, um estúrdio
asco.
E
eu quase gritei! ― Aí é a intimação? Pois, fizerem, eu saio do
meio de vós, pra todo o nunca. Mais tu há de não me ver!...
Diadorim
pôs mão em meu braço. Do que me estremeci, de dentro, mas repeli
esses alvoroços de doçura. Me deu a mão; e eu. Mas era como
tivesse uma pedra pontuda entre as duas palmas. ― Você já paga
tão escasso então por Joca Ramiro? Por conta duma bruxa feiticeira,
e a má-vida da filha dela, aqui neste confim de gerais?! ― ele
baixo exclamou. E tive ira. ― Dou! ― falei. Todo o mundo, então,
todos, tinham de viver honrando a figura daquele, de Joca Ramiro,
feito fosse Cristo Nosso Senhor, o exato?! E por aí eu já tinha
pitado dois cigarros. Ser dono definito de mim, era o que eu queria,
queria. Mas Diadorim sabia disso, parece que não deixava:
―
Riobaldo,
escuta, pois então: Joca Ramiro era o meu pai... ― ele disse ―
não sei se estava pálido muito, e depois foi que se avermelhou.
Devido o que, abaixou o rosto, para mais perto de mim.
Acalmou
meu fôlego. Me cerrou aquela surpresa. Sentei em cima de nada. E eu
cri tão certo, depressa, que foi como sempre eu tivesse sabido
aquilo. Menos disse. Espiei Diadorim, a dura cabeça levantada, tão
bonito tão sério. E corri lembrança em Joca Ramiro: porte luzido,
passo ligeiro, as botas russianas, a risada, os bigodes, o olhar bom
e mandante, a testa muita, o topete de cabelos anelados, pretos,
brilhando. Como que brilhava ele todo. Porque Joca Ramiro era mesmo
assim sobre os homens, ele tinha uma luz, rei da natureza. Que
Diadorim fosse o filho, agora de vez me alegrava, me assustava.
Vontade minha foi declarar: ― Redigo, Diadorim: estou com você,
assente, em todo sistema, e com a memória de seu pai!... Mas foi o
que eu não disse. Será por quê? Criatura gente é não e questão,
corda de três tentos, três tranços. ― Pois, para mim, pra quem
ouvir, no fato essa Ana Duzuza fica sendo minha mãe! ― foi o que
eu disse. E, fechando, quase gritei: ― Por mim, pode cheirar que
chegue o manacá: não vou! Reajo dessas barbaridades!...
Tudo
turbulindo. Esperei o que vinha dele. De um acêso, de mim eu sabia:
o que compunha minha opinião era que eu, às loucas, gostasse de
Diadorim, e também, recesso dum modo, a raiva incerta, por ponto de
não ser possível dele gostar como queria, no honrado e no final.
Ouvido meu retorcia a voz dele. Que mesmo, no fim de tanta exaltação,
meu amor inchou, de empapar todas as folhagens, e eu ambicionando de
pegar em Diadorim, carregar Diadorim nos meus braços, beijar, as
muitas demais vezes, sempre. E tinha nôjo maior daquela Ana Duzuza,
que vinha talvez separar a amizade da gente. Em mesmo eu quase
reconheci um surdo prestígio de, sendo preciso, ir lá, por mim,
reduzir a velha ― só não podia maltratar era Nhorinhá, que, ao
tanto afeto, eu, eu bem-queria. Há-de que eu certo não regulasse,
ôxe? Não sei, não sei. Não devia de estar relembrando isto,
contando assim o sombrio das coisas. Lenga-lenga! Não devia de. O
senhor é de fora, meu amigo mas meu estranho. Mas, talvez por isto
mesmo. Falar com o estranho assim, que bem ouve e logo longe se vai
embora, é um segundo proveito: faz do jeito que eu falasse mais
mesmo comigo. Mire veja: o que é ruim, dentro da gente, a gente
perverte sempre por arredar mais de si. Para isso é que o muito se
fala?
Guimarães
Rosa, in Grande sertão: veredas
Nenhum comentário:
Postar um comentário