quarta-feira, 4 de maio de 2016

O trabalho em equipe

Durante todo aquele verão o trabalho da granja andou como um relógio. Os bichos, felizes como nunca. Cada bocado de comida constituía um extremo prazer, agora que a comida era realmente deles, produzida por eles e para eles, em vez de distribuída em pequenas quantidades por um dono cheio de má vontade. Ausentes os inúteis parasitas humanos, mais sobrava para cada um. Havia também mais lazer, muito embora os animais fossem inexperientes nisso. Encontraram muitas dificuldades — por exemplo, no fim do ano, quando colheram os cereais, foram obrigados a pisá-los, à moda antiga, e soprar as cascas, pois a granja não possuía uma debulhadeira — mas os porcos, com a inteligência, e Sansão, com seus músculos fantásticos, sobrepujavam-nas. Sansão era a admiração de todos. Já era trabalhador no tempo de Jones; agora, como que valia por três. Dias houve em que todo trabalho da granja parecia recair sobre seus fortes ombros. Da manhã à noite lá estava ele, puxando e empurrando, sempre, no lugar onde o trabalho era mais pesado. Fizera um trato com um dos galos para ser chamado meia hora mais cedo que os demais, todas as manhãs, e empregava esse tempo em trabalho voluntário no que parecesse mais necessário. Sua solução para cada problema, para cada contratempo, era “Trabalharei mais ainda”, frase que adotara como seu lema particular.
Cada qual trabalhava de acordo com sua capacidade. As galinhas e os patos, por exemplo, economizaram cinco baldes de trigo, na colheita, juntando os grãos extraviados. Ninguém roubava, ninguém resmungava a respeito das rações. A discórdia, as mordidas, o ciúme, coisas normais nos velhos tempos, tinham quase desaparecido. Ninguém se esquivava ao trabalho — ou quase ninguém. Ë bem verdade que Mimosa não gostava de levantar cedo e costumava abandonar o trabalho antes dos demais, sob o pretexto de estar com uma pedra encravada no casco. E o comportamento do gato era um tanto estranho. Em seguida notou-se que ele nunca podia ser encontrado quando havia trabalho por fazer. Desaparecia durante várias horas consecutivas e voltava a aparecer à hora das refeições, ou à tardinha, após o fim dos trabalhos, como se nada houvesse acontecido. Apresentava, porém, desculpas tão boas e rosnava de maneira tão carinhosa, que era impossível não crer em suas boas intenções. O velho Benjamim, o burro, nada mudara, após a Revolução. Executava sua tarefa da mesma forma obstinadamente lenta com que o fazia nos tempos de Jones. Não se esquivava ao trabalho normal, mas nunca era voluntário para extraordinários. Sobre a Revolução e seus resultados, não emitia opinião. Quando lhe perguntavam se não era mais feliz, agora que Jones se havia ido, respondia apenas “Os burros vivem muito tempo. Nenhum de vocês jamais viu um burro morto”, e os outros tinham que contentar-se com essa obscura resposta.
Aos domingos, não se trabalhava. A refeição da manhã era uma hora mais tarde e, depois dela, havia uma cerimônia que se realizava todas as semanas, indefectivelmente. Começava com o hasteamento da bandeira. Bola-de-Neve achara, no depósito, uma velha toalha verde de mesa e pintara no centro, em branco, um chifre e uma ferradura. Essa era bandeira que subia ao topo do mastro todos os domingos pela manhã. O verde da bandeira, explicava Bola-de-Neve, representava os verdes campos da Inglaterra, ao passo que o chifre e a ferradura simbolizavam a futura República dos Bichos, cujo advento teria lugar no dia em que o gênero humano, enfim, desaparecesse. Após o hasteamento da bandeira, iam todos ao grande celeiro, para assistir a uma assembleia geral conhecida como “a Reunião”. Lá planejavam o trabalho da semana seguinte e discutiam as resoluções. Estas eram sempre apresentadas pelos porcos. Os outros animais aprenderam a votar, mas nunca conseguiram imaginar uma resolução por conta própria. Bola-de-Neve e Napoleão eram sempre mais ativos nos debates. Notou-se, porém, que dois nunca estavam de acordo: qualquer sugestão de um podia contar, na certa, com a oposição do outro.
George Orwell, in A revolução dos bichos

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