terça-feira, 24 de maio de 2016

Não suprimir as paixões

Como investigadores do conhecimento, não sejamos ingratos com os que mudaram por completo os pontos de vista do espírito humano; na aparência foi uma revolução inútil, sacrílega; mas já de si o querer ver de modo diverso dos outros, não é pouca disciplina e preparação do entendimento para a sua futura “objetividade”, entendendo por esta palavra não a “contemplação desinteressada”, que é um absurdo, senão a faculdade de dominar o pró e o contra, servindo-se de um e de outro para a interpretação dos fenômenos e das paixões. Acautelemo-nos pois, oh senhores filósofos!
Desta confabulação das ideias antigas acerca de um “assunto do conhecimento puro, sem vontade, sem dor, sem tempo”, defendamo-nos das moções contraditórias “razão pura”, “espiritualidade absoluta”, “conhecimento subsistente” que seria um ver subsistente em si próprio e sem órgão visual, ou um olho sem direção, sem faculdades ativas e interpretativas? Pois o mesmo sucede com o conhecimento: uma vista, e se é dirigida pela vontade, veremos melhor, teremos mais olhos, será mais completa a nossa “objetividade”. Mas eliminar a vontade, suprimir inteiramente as paixões - supondo que isso fosse possível – seria castrar a inteligência.
Friedrich Nietzsche, in Genealogia da Moral

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