terça-feira, 31 de maio de 2016

Elas se calaram

Os holandeses cortam o tendão de Aquiles do escravo que foge pela primeira vez, e quem insiste fica sem a perna direita; mas não há jeito de evitar que se difunda a peste da liberdade no Suriname.
O capitão Molinay desce pelo rio até Paramaribo. Sua expedição volta com duas cabeças. Foi preciso decapitar as prisioneiras, porque já não podiam se mover inteiras através da selva. Uma se chama Flora, a outra Sery. Elas ainda têm os olhos pregados no céu. Não abriram a boca apesar dos açoites, do fogo e das tenazes incandescentes, teimosamente mudas como se não tivessem pronunciado palavra alguma desde o remoto dia em que foram engordadas e untadas de óleo e lhes rasparam os cabelos desenhando-lhes nas cabeças estrelas e meias-luas, para vendê-las no mercado de Paramaribo. Todo o tempo mudas, Flora e Sery, enquanto os soldados lhes perguntavam onde se escondiam os negros fugidos: elas olhavam o céu sem piscar, perseguindo nuvens maciças como montanhas que andavam lá no alto, à deriva.
Eduardo Galeano, in Mulheres

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