— Vó,
vim ajudar a debulhar.
— Já
acabamos. Mas vamos fazer chocolate. Onde é que você se meteu? O
tempo inteiro que durou a tormenta ficamos procurando você.
— Eu
estava no quintal de lá.
— E
fazendo o quê? Rezando?
— Não,
vó, eu só estava vendo chover.
A
avó olhou para ele com aqueles seus olhos meio acinzentados, meio
amarelados, que pareciam adivinhar o que havia dentro da gente.
— Pois
então vai lá limpar o moinho.
“A
centenas de metros, acima de todas as nuvens, além, muito além de
tudo, você está escondida, Susana. Escondida na imensidão de Deus,
atrás de sua Divina Providência, onde não consigo alcançar você
nem ver você e onde minhas palavras não chegam.”
— Vó,
o moinho está quebrado, a moenda quebrou.
— Essa
Micaela deve ter moído milho com espiga e tudo. Ela não perde essa
mania horrorosa; mas, enfim, se não tem mais remédio...
— E
por que a gente não compra outro? Esse aí nem servia mais, de tão
velho.
— Você
tem razão. Só que com os gastos que tivemos para enterrar seu avô,
mais dízimos que pagamos para a Igreja, ficamos sem nenhum centavo.
E ainda assim, haveremos de fazer um sacrifício, e compraremos
outro. Seria bom você ir até a dona Inés Villalpando pedir que nos
deixasse fiado até outubro. A gente paga com a colheita.
— Está
bem, vó.
— E
aproveita para fazer o mandado completo, e peça a ela que nos
empreste uma peneira e uma podadeira; do jeito que as plantas
cresceram, já, já se metem em tudo. Se eu tivesse minha casa
grande, com aqueles currais grandes, não estaria me queixando. Mas
seu avô empacou nessa ideia de virmos para cá. Que seja tudo por
Deus: as coisas nunca saem do jeito que a gente quer. Diga a dona
Inés que na colheita a gente paga tudo que deve.
— Está
bem, vó.
Havia
colibris. Era o tempo. Dava para ouvir o zumbido de suas asas entre o
jasmineiro que estava carregado de flores.
Deu
uma volta pela prateleirinha feito altar do Sagrado Coração e
encontrou 24 centavos. Deixou os 4 e pegou os 20.
Antes
de sair, sua mãe o deteve:
— Aonde
é que você vai?
— Até
a dona Inés Villalpando ver um moinho novo. O que a gente tinha
quebrou.
— Diga
a ela que mande um metro de tafetá preto, igual a este aqui — e
deu uma amostra a ele. — Que ponha na nossa conta.
— Está
bem, mamãe.
— E
na volta me compre umas aspirinas. No vaso do corredor você vai
encontrar dinheiro.
Encontrou
um peso. Deixou os 20 centavos e apanhou o peso.
“Agora,
vai sobrar dinheiro para o que eu quiser”, pensou.
—
Pedro!
– gritou alguém. – Pedro!
Mas
ele não ouviu. Estava muito longe.
Juan
Rulfo, in Pedro Páramo
Nenhum comentário:
Postar um comentário