Dois
terços da gente do meu país leem esta espécie de jornal; leem de
manhã e à noite coisas escritas neste tom, são trabalhados
permanentemente, incitados, açulados; semeiam-se neles o
descontentamento e a maldade, e a meta final de tudo isso é outra
vez a guerra, a próxima guerra, que já está chegando e que, sem
dúvida alguma, será muito mais horrenda do que a última. Tudo isso
é claro e simples, qualquer pessoa pode compreendê-lo; com uma hora
de meditação todos poderiam chegar ao mesmo resultado. Mas ninguém
quer agir assim, ninguém quer evitar a próxima guerra, quer
livrar-se nem livrar a seus filhos das mortes
aos milhares, nem quer parar por um instante e pensar
voluntariamente. Uma hora de reflexão, um momento de entrar em si
mesmo e perguntar pela parte da culpa que lhe cabe nesta desordem e
na maldade que impera no mundo… mas ninguém quer fazê-lo! E assim
tudo continua como estava e a próxima guerra vai-se preparando a
cada dia que passa, com o auxílio de milhares e milhares de pessoas
diligentes. Estas coisas sempre me desesperam: para mim não existe
“pátria”, não existe “ideal” algum. Tudo isso não passa de
frases inculcadas por aqueles que preparam a próxima carnificina.
Não tem sentido pensar ou escrever algo que seja humano, de nada
vale ter boas ideias na mente… são duas ou três pessoas que agem
assim; em compensação, há milhares de jornais, de revistas, de
conferências, reuniões públicas ou secretas que, dia após dias
insistem no contrário, e acabarão por alcançá-lo.
Hermínia
permaneceu ouvindo com interesse.
-
Sim - disse em seguida -, você tem razão. Naturalmente, haverá
outra guerra; não é preciso ler nos jornais para saber. É certo,
embora isso nos entristeça, que o homem, apesar de tudo e de todos,
apesar do que possa fazer, o homem tem inevitavelmente de morrer. A
luta contra a morte, meu caro Harry, é sempre uma coisa bela, nobre,
prodigiosa e digna, da mesma forma que a luta contra a guerra. Mas há
de ser sempre uma quixotada sem esperanças.
-
Talvez seja verdade - exclamei enérgico -, mas com verdades
semelhantes a esta de que temos todos de morrer e que, por
conseguinte, tudo é igual é que convertemos a vida em algo monótono
e estúpido. Desta forma teremos de renunciar a tudo, ao espírito,
às aspirações; teremos de destruir a humanidade, teremos de
permitir que reine o egoísmo e o dinheiro e esperar a próxima
guerra com um copo de cerveja à mão.
Hermann
Hesse,
in O
Lobo
da Estepe
Nenhum comentário:
Postar um comentário