terça-feira, 26 de abril de 2016

Na rede

Deito-me na rede, olho as nuvens vagabundas. Creio que aquelas que estão paradas lá longe, branquinhas, espichadas como franjas, se chamam cirros; e essas gordas, brancas, que brilham ao sol aqui mais perto se chamam cúmulos. Mas não é preciso saber seus nomes; deixo-me levar pela fantasia de suas esculturas, e vou vagando ao sabor de seus caprichos. Direis que essa ocupação não é construtiva; responderei que estou contemplando o céu de minha Pátria. Sempre é algo de nobre e afinal há momentos em que a gente se cansa de olhar a terra e os homens.
Pego o livro do padre Antônio Vieira e me deleito quando ele conta o amor de Santa Teresa por Jesus Cristo. Que diferença entre o amor divino e esses outros amores, os profanos, em que nos atolamos aqui neste vale de lágrimas!
Ouçamos a santa: “Senhor, que se me dá a mim de mim sem vós? Por que eu sem vós não sou eu: e de mim, que não sou eu, que se me dá a mim?”
A isso Vieira chama “divina implicação”.
Estas palavras Santa Teresa ouviu de Cristo: “Teresa, eu amei a Madalena estando na terra, porém a ti amo-te estando no céu.”
Sobre o que, comenta o padre que isso é uma extrema fineza, pois “as bem-aventuranças são desaforáveis, e não há maior inimigo do amor que a felicidade”. E faz suas comparações sobre os amores de Cristo:
A Madalena, como tão amante e tão amada, estando na terra, mandava-a Cristo levar ao céu, para que fosse ouvir as músicas dos anjos: e Teresa estando na terra amava tanto e era tão amada que, estando Cristo no céu, deixava as músicas dos anjos para vir conversar com Teresa na terra.”
Mas o sermão é longo, e a mim e ao leitor nos convém que a crônica seja curta. Deixemos o bom Vieira tratar dos amores divinos. Volto à rede, e às nuvens. A mais gordinha se esfiapou um pouco nas bordas e está passando sobre meu telhado, rumo ao norte. Boa viagem, irmã, cuidado com esse vento, vê lá aonde ele te vai levando...
Mas ela passa muito serena.
Rubem Braga, in Ai de ti, Copacabana

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