sábado, 23 de abril de 2016

Morrer

O corneteiro tocou a diana – o toque de silêncio – pouco antes da alvorada. Delfino chorava. Pediu que trouxessem sua mulher, mas disseram que não. Marcos tinha sido o primeiro a chegar ao pátio, escoltado pelos guardas. Perguntou: “E não veio aquele covarde do promotor? Ele não era todo macho?” Delfino abraçou o sacerdote. Os caracóis perambulavam pelo muro branco do quartel de Matomoros. (Até esse momento, Suárez tinha pensado: que me fuzilar que nada. Mas agora seus joelhos tinham afrouxado.)
Do lado de fora, um menino estava sentado de costas contra o muro, com a cabeça grudada no muro, os olhos muito abertos, não podia piscar, não sentia o frio, e ao seu lado havia um cachorro com as orelhas em pé.
Deram cigarros aos três. “Não chora, Delfino”, disse Marcos. Os sacerdotes da Ordem das Mercês se despediram seis vezes.
Não, padre – disse Marcos. – De costas, não. De frente.
Suárez achou que era melhor ajudar que lhe colocassem a venda nos olhos. As lágrimas de Delfino corriam por baixo da venda. Marcos não quis venda nenhuma. Suárez perguntou:
Que horas são? Quanto falta?
Cinco minutos.
Um pássaro brincava no céu escuro: abria e fechava as asas, anunciava com alegria o nascimento do dia. Eles viam o passarinho. Escutavam seu canto. Cantava como se estivesse chamando os três. Antes, na cela, Marcos quis voltar até as pessoas e os lugares aos quais pertencera, quando estava vivo; mas agora passeava os olhos pelos rostos dos soldados do pelotão, as duas filas de dez, um por um, todos iguais, e escutava gritar pelootãão, fiiiirmes, gritar fiila da freeente, gritar joelhos no chããão, via-os mover os ferrolhos das carabinas, os soldados a um metro e meio prontos para abrir um rombo no seu corpo, e o tempo todo se sentia longe dos soldados e longe da cerimônia e de tudo, estivera longe desde antes de xingar o promotor de filho da puta e de se plantar na frente do muro com as mãos atadas: longe, mas muito longe, muito mais além do que qualquer viagem e de qualquer tempo ou qualquer destino. Olhou para Delfino, que continuava chorando porque não entendia. Marcos tinha dito: “Os homens não choram”, mas na verdade tinha querido dizer: “Os mortos não choram, Delfino”. Marcos escutou gritar apooontaaaar e a vida não era um jogo de sombras na parede da memória, nem era um calor de fumaça de cigarro no peito, nem era nada. Então o oficial gritou fooogo e houve um silêncio longo e estúpido.
Quando explodiram os tiros, todos os tiros como um único tiro, a primeira claridade do dia já se arrastava, nebulosa, na altura do chão. O oficial disse termine e o cabo se inclinou sobre o corpo de Marcos. Marcos viu-o através da cortina de seus próprios cílios: viu-o pelo espaço de dois segundos, e apesar disso poderia descrevê-lo com todos os detalhes, como se tivesse olhado para ele durante anos. O cabo apertou os dentes e apontou no coração.
Eduardo Galeano, in Viramundo

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