Ela
disse que estava sozinha. Eu disse que era sozinho no mundo. Ela
pediu uma antártica e botou no meu copo. Ela disse que fazia teatro
e tava de férias em Manaus. Eu disse que era ninguém. “como
assim? ninguém?” aí enchi o copo dela e ordenei: “beba”. Ela
abriu um sorriso grogue e segurou minha mão. Beijou meu rosto e
disse “você tá perdido” eu confirmei o óbvio: “sim, não
tenho onde descansar minha carcaça”. Ela acendeu um cigarro e
começou a soltar bolinhas de fumaça até beliscar o teto. Aí uma
hora ela suspirou e pegou três pinos de pó do bolso e jogou em cima
do cardápio e cheirou de uma vez. O garçom me encarou com ar de
desaprovação e eu disse: “vamos cheirar no banheiro” ela entrou
comigo, baixou a calcinha vermelha e mijou no vaso. A zoada de urina
mais linda que já escutei na vida. E voltou a sorrir perguntando:
“você é ninguém mesmo?” e botei o pau pra fora e mijei também.
No ralo. “seus olhos me dizem que você é alguém”. Então dei
umas balançadinhas e guardei o instrumento. Ela levantou a calcinha
e me beijou. Jogou cocaína na minha cara e começou a passar a
língua no meu corpo como se fosse uma cachorra lambendo a cria. E
disse que tava cansada. Eu também disse que estava esgotado. Que
tava querendo entrar em outra onda. “estou cansado dessa vida”.
Ela abriu a porta do banheiro e atravessou o bar até entrar num
táxi. O garçom veio atrás de mim e eu disse que pagaria depois.
Então ficamos no banco traseiro e o taxista começou a rodar. Dar
voltas em círculos “vão pra onde? Não estou preocupado. O
dinheiro é de vocês. Hoje é bandeira dois”. Aí ele ligou o
rádio e começou a tocar aquela música triste do Hyldon. Ela foi
ficando roxa e falei “já chega!” e joguei o resto da droga pela
janela. O Taxista gargalhou. Ela descansou a cabeça nas minhas
pernas e disse que iria fazer Shakespeare em São Paulo. Eu disse que
sim. “Plínio Marcos também. Você curte Navalha na Carne?” ela
não respondeu. O taxista parou num batente e disse “25 paus.”
Peguei o que tinha no bolso e dei pra ele. Tirei a camisa e
abraçamos-nos ali mesmo. No chão duro. No concreto da sarjeta e
adormecemos com a luz das estrelas. Acordei com o barulho dos
primeiros ônibus da manhã saindo da estação e “você não é
ninguém” escrito com sangue no meu peito. Subi na linha do meu
bairro e comecei a gargalhar alto. Gargalhei, gargalhei até chorar.
A cobradora perguntou “tá tudo bem?” eu enxuguei as lágrimas
soluçando e falei “eu não sou ninguém”.
Diego
Moraes, in
ursocongelado.tumblr.com
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