sábado, 2 de abril de 2016

Eu não sou ninguém

Ela disse que estava sozinha. Eu disse que era sozinho no mundo. Ela pediu uma antártica e botou no meu copo. Ela disse que fazia teatro e tava de férias em Manaus. Eu disse que era ninguém. “como assim? ninguém?” aí enchi o copo dela e ordenei: “beba”. Ela abriu um sorriso grogue e segurou minha mão. Beijou meu rosto e disse “você tá perdido” eu confirmei o óbvio: “sim, não tenho onde descansar minha carcaça”. Ela acendeu um cigarro e começou a soltar bolinhas de fumaça até beliscar o teto. Aí uma hora ela suspirou e pegou três pinos de pó do bolso e jogou em cima do cardápio e cheirou de uma vez. O garçom me encarou com ar de desaprovação e eu disse: “vamos cheirar no banheiro” ela entrou comigo, baixou a calcinha vermelha e mijou no vaso. A zoada de urina mais linda que já escutei na vida. E voltou a sorrir perguntando: “você é ninguém mesmo?” e botei o pau pra fora e mijei também. No ralo. “seus olhos me dizem que você é alguém”. Então dei umas balançadinhas e guardei o instrumento. Ela levantou a calcinha e me beijou. Jogou cocaína na minha cara e começou a passar a língua no meu corpo como se fosse uma cachorra lambendo a cria. E disse que tava cansada. Eu também disse que estava esgotado. Que tava querendo entrar em outra onda. “estou cansado dessa vida”. Ela abriu a porta do banheiro e atravessou o bar até entrar num táxi. O garçom veio atrás de mim e eu disse que pagaria depois. Então ficamos no banco traseiro e o taxista começou a rodar. Dar voltas em círculos “vão pra onde? Não estou preocupado. O dinheiro é de vocês. Hoje é bandeira dois”. Aí ele ligou o rádio e começou a tocar aquela música triste do Hyldon. Ela foi ficando roxa e falei “já chega!” e joguei o resto da droga pela janela. O Taxista gargalhou. Ela descansou a cabeça nas minhas pernas e disse que iria fazer Shakespeare em São Paulo. Eu disse que sim. “Plínio Marcos também. Você curte Navalha na Carne?” ela não respondeu. O taxista parou num batente e disse “25 paus.” Peguei o que tinha no bolso e dei pra ele. Tirei a camisa e abraçamos-nos ali mesmo. No chão duro. No concreto da sarjeta e adormecemos com a luz das estrelas. Acordei com o barulho dos primeiros ônibus da manhã saindo da estação e “você não é ninguém” escrito com sangue no meu peito. Subi na linha do meu bairro e comecei a gargalhar alto. Gargalhei, gargalhei até chorar. A cobradora perguntou “tá tudo bem?” eu enxuguei as lágrimas soluçando e falei “eu não sou ninguém”.
Diego Moraes, in ursocongelado.tumblr.com

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