“Quando
digo que os direitos do homem constituem uma categoria heterogênea,
refiro-me ao fato de que – desde quando passaram a ser considerados
como direitos do homem, além dos direitos de liberdade, também os
direitos sociais – a categoria em seu conjunto passou a conter
direitos entre si incompatíveis, ou seja, direitos cuja proteção
não pode ser concedida sem que seja restringida ou suspensa a
proteção de outros. Pode-se fantasiar sobre uma sociedade ao mesmo
tempo livre e justa, na qual são global e simultaneamente realizados
os direitos de liberdade e os direitos sociais; as sociedades reais,
que temos diante de nós, são mais livres na medida em que menos
justas e mais justas na medida em que menos livres. Esclareço
dizendo que chamo de liberdades os direitos que são
garantidos quando o Estado não intervém; e de poderes os
direitos que exigem uma intervenção do Estado para sua efetivação.
Pois bem: liberdades e poderes, com frequência, não são – como
se crê – complementares, mas incompatíveis. Para dar um exemplo
banal, o aumento do poder de comprar automóveis diminuiu, até quase
paralisar, a liberdade de circulação. Outro exemplo, um pouco menos
banal: a extensão do direito social de ir à escola até os catorze
anos suprimiu, na Itália, a liberdade de escolher um tipo de escola
e não outro. Mas talvez não haja necessidade de dar exemplos: a
sociedade histórica em que vivemos, caracterizada por uma
organização cada vez maior em vista da eficiência, é uma
sociedade em que a cada dia adquirimos uma fatia de poder em troca de
uma falta de liberdade. Essa distinção entre dois tipos de direitos
humanos, cuja realização total e simultânea é impossível, é
consagrada, de resto, pelo fato de que também no plano teórico se
encontram frente a frente e se opõem duas concepções diversas dos
direitos do homem, a liberal e a socialista.”
Norberto
Bobbio, in A era dos direitos
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