Com
franqueza, não me animo a dizer que você não vá.
Eu,
que sempre andei no rumo de minhas venetas, e tantas vezes troquei o
sossego de uma casa pelo assanhamento triste dos ventos da
vagabundagem, eu não direi que fique.
Em
minhas andanças, eu quase nunca soube se estava fugindo de alguma
coisa ou caçando outra. Você talvez esteja fugindo de si mesma, e a
si mesma caçando; nesta brincadeira boba passamos todos, os
inquietos, a maior parte da vida — e às vezes reparamos que é ela
que se vai, está sempre indo, e nós (às vezes) estamos apenas
quietos, vazios, parados, ficando. Assim estou eu. E não é sem
melancolia que me preparo para ver você sumir na curva do rio —
você que não chegou a entrar na minha vida, que não pisou na minha
barranca, mas, por um instante, deu um movimento mais alegre à
corrente, mais brilho às espumas e mais doçura ao murmúrio das
águas. Foi um belo momento, que resultou triste, mas passou.
Apenas
quero que dentro de si mesma haja, na hora de partir, uma
determinação austera e suave de não esperar muito; de não pedir à
viagem alegrias muito maiores que a de alguns momentos. Como este,
sempre maravilhoso, em que no bojo da noite, na poltrona de um avião
ou de um trem, ou no convés de um navio, a gente sente que não está
deixando apenas uma cidade, mas uma parte da vida, uma pequena
multidão de caras e problemas e inquietações que pareciam eternas
e fatais e, de repente, somem como a nuvem que fica para trás. Esse
instante de libertação é a grande recompensa do vagabundo; só
mais tarde ele sente que uma pessoa é feita de muitas almas, e que
várias, dele, ficaram penando na cidade abandonada. E há também
instantes bons, em terra estrangeira, melhores que os das excitações
e descobertas, e as súbitas visões de belezas sonhadas. São
aqueles momentos mansos em que, de uma janela ou da mesa de um bar,
ele vê, de repente, a cidade estranha, no palor do crepúsculo,
respirar suavemente como velha amiga, e reconhece que aquele perfil
de casas e chaminés já é um pouco, e docemente, coisa sua.
Mas
há também, e não vale a pena esconder nem esquecer isso, aqueles
momentos de solidão e de morno desespero; aquela surda saudade que
não é de terra nem de gente, e é de tudo, é de um ar em que se
fica mais distraído, é de um cheiro antigo de chuva na terra da
infância, é de qualquer coisa esquecida e humilde – torresmo,
moleque passando na bicicleta assobiando samba, goiabeira, conversa
mole, peteca, qualquer bobagem. Mas então as bobagens do estrangeiro
não rimam com a gente, as ruas são hostis e as casas se fecham com
egoísmo, e a alegria dos outros que passam rindo e falando alto em
sua língua dói no exilado como bofetadas injustas. Há o momento em
que você defronta o telefone na mesa da cabeceira e não tem com
quem falar, e olha a imensa lista de nomes desconhecidos com um tédio
cruel.
Boa
viagem, e passe bem. Minha ternura vagabunda e inútil, que se
distribui por tanto lado, acompanha, pode estar certa, você.
Rubem
Braga, in
A
borboleta
amarela
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