domingo, 3 de abril de 2016

A outra

Apavorada com a perspectiva de envelhecer e o marido trocá-la por uma mais moça, fez plástica atrás de plástica. Com cinquenta anos, ficou com um corpo de vinte e um rosto de trinta, se não se olhasse muito de perto. Alisou as rugas, tirou daqui, enxertou ali, levantou acolá — o acolá é sempre o primeiro a cair — e conseguiu: não envelheceu. Mas no outro dia contou às amigas que o marido a trocara por outra.
Estava arrasada. Só não podia chorar para não desmanchar a maquiagem. As amigas tentaram consolá-la. Chamaram o marido de tudo, inclusive de cego, pois quem procuraria outra mulher tendo uma como ela — corpo de vinte, rosto de trinta — em casa? Os homens não tinham jeito mesmo. Para eles, amadurecer era uma forma de voltar à adolescência. Iam em busca dos hormônios perdidos e só encontravam o ridículo.
Não me façam chorar, não me façam chorar — pedia ela.
As amigas começaram a desenvolver teses sobre o que leva homens mais velhos a procurar mulheres mais moças. Pânico sexual, antes de mais nada. Descontadas, claro, as falhas naturais do caráter masculino, que também se acentuam com a idade. Mas ela que esperasse.
Cedo ou tarde, ele se cansaria da mulher mais moça, ou ela se cansaria dele, ou…
Ela não é mais moça — interrompeu a mulher. — É mais velha do que eu!
Abriu-se uma clareira de espanto. O quê? Mais velha?! E ela contou que a outra nunca fizera plástica, que a outra nem pintava os cabelos. Era uma senhora grisalha, matronal, exatamente do tipo que ele esperara em vão que ela ficasse, como ele mesmo dissera. Sim, porque ela fora pedir satisfação, pronta, inclusive, a bater na outra. Não só não batera como acabara tomando chá com a outra e ouvindo seus conselhos num tom maternal.
O que mais doera fora o tom maternal.
Luís Fernando Veríssimo, in As mentiras que as mulheres contam

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