“Liberdade
e constrangimento são dois aspectos da mesma necessidade, que é ser
aquele e não um outro. Livre de ser aquele, não livre de ser um
outro. (...) Não há quem o não saiba. Os que reclamam a liberdade
reclamam a moral interior, para que nem assim o homem deixe de ser
governado. O gendarme - dizem eles de si para si - está no interior.
E os que solicitam a coação afirmam-te que ela é liberdade de
espírito. Tu, na tua casa, tens a liberdade de atravessar as
antecâmaras, de medir a passos largos as salas, uma por uma, de
empurrar as portas, de subir ou descer as escadas. E a tua liberdade
cresce à medida que aumentam as paredes e as peias e os ferrolhos. E
dispões de um número tanto maior de atos possíveis onde escolher
aquele que hás-de praticar, quantas mais obrigações te impôs a
duração das tuas pedras. E, na sala comum, onde assentas arraiais
no meio da desordem, deixas de dispor de liberdade, passa a haver
dissolução.
E,
afinal de contas, todos sonham com uma e a mesma cidade. Mas um
reclama para o homem, tal como ele é, o direito de agir. O outro, o
direito de modelar o homem, para que ele seja e possa agir. E todos
celebram o mesmo homem.
Mas
enganam-se quer um quer o outro. O primeiro julga-o eterno e
existente por si, sem saber que vinte anos de ensino, de
constrangimentos e de exercícios alicerçaram nele este e não num
outro. As tuas faculdades de amor provêm-te mais do exercício da
oração do que da liberdade interior. O mesmo se passa com o
instrumento de música, se o não aprendeste a tocar, ou com o poema
se não conheces nenhuma linguagem. E o segundo também se engana,
porque acredita nas paredes e não no homem, no templo, só conta o
silêncio que as domina. E esse silêncio na alma dos homens. E a
alma dos homens, onde se conserva esse silêncio. Aí está o templo
diante do qual eu me prostro. Mas aqueloutro faz o seu ídolo de
pedra e prosterna-se diante da pedra enquanto pedra...”
Antoine
de Saint-Exupéry, in Cidadela
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