Serginho
olhou para o teclado e apertou a tecla 2.
Em
seguida, digitou o shift e apertou o 2.
Apareceu
o símbolo @. O que será isso?
Depois,
ele apertou o shift e o símbolo + surgiu no monitor. Serginho ria,
divertia-se com a novidade.
Se
não apertasse a tecla shift, em lugar do + aparecia o sinal =.
O
que será que queria dizer?
Que
o + e o = são iguais, dependendo da tecla shift?
Se
quisesse o 5, bastava apertar a tecla 5.
No
entanto, ao apertar o shift junto com o 5, o que apareceu na tela foi
um símbolo engraçado, %.
Perguntou
e o pai explicou que era porcentagem.
— O
que quer dizer porcentagem?
O
pai ficou calado uns minutos.
— Veja!
Você tem o número 100. Mas deseja apenas 10% de 100. Ou seja, você
deseja apenas 10.
— Por
que vou querer 10% de 100?
Era
uma boa pergunta, o pai ficou de responder no dia seguinte, estava
atrasado para o trabalho. Serginho teve certeza de que o pai não
sabia o que era porcentagem e ficou alegre. Tão bom descobrir que o
pai da gente não sabe todas as coisas do mundo. Assim fica igual à
gente. Havia meninos cujos pais sabiam tudo, faziam tudo, podiam
tudo.
Eram
meninos chatos, pentelhos, pareciam os pais. Ou será que eram
mentirosos?
Todavia,
Serginho não estava preocupado com nada disso. Tinha descoberto as
mágicas do teclado, as estranhezas que podia fazer com ele.
Ao
apertar o shift e o 3, surgia uma gradinha. Assim: #.
O
que seria? Para que serve? Para fazer uma jaula? Para prender um
mosquito? A questão era: para que servem as coisas, os sinais
diferentes que a gente pode produzir no teclado de um computador?
Serginho
gostou do 8 misturado ao shift. Ele produzia uma estrelinha simpática
“.
Aproveitou,
fez um monte, uma linha inteira
““““““““““““““““““““““““““““““““““
Já
o 6 com o shift fazia surgir um chapeuzinho ^. Serginho não teve
dúvidas. "Vou ter uma chapelaria", pensou.
^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^
Havia
uma maçãzinha, ele apertou, nada aconteceu.
Ficou
desapontado. Imaginou que sairiam maçãs, igual à^máquina de
refrigerantes que havia na lanchonete da esquina.
Apertou
o 1 sozinho. Nada se passou. Quando apertou o 1 com o shift, viu o
sinal !.
Quando
o pai chegou, ele perguntou o que era.
— Isso
é uma exclamação.
— E
o que é uma exclamação?
Como
explicar uma exclamação?
— Olhe,
vou exclamar! Assim você saberá o que é a exclamação.
Então,
disse, bem alto:
— Puxa!
Meu deus! Ora! Nem me diga!
Tudo
com ênfase, firmeza, exclamativo.
—
Entendeu?
— Não!
O
pai aproveitou:
— Viu?
Esse não que você disse foi uma exclamação! Deu para sacar?
— Ah,
uma exclamação é um não bem forte?
— A
exclamação é o contrário da interrogação.
— E
o que é interrogação?
— É
uma pergunta.
— Quer
dizer que a exclamação é uma não-pergunta?
O
pai disse que precisava ir trabalhar.
Serginho
apertou a tecla que ficava perto do shift e parecia um tracinho
caindo, bêbado. Saiu no monitor um ?.
O
que é esse pauzinho torto?, pensou. Parece um corcunda!
O
irmão mais velho, de 17 anos, passou com o skate nas mãos.
— Sabe
o que é isso, Ciro?
— Sei,
uma interrogação!
Apesar
de brigar muito com o irmão, Serginho gostava dele, admirava. Ficou
feliz, ia saber o que é uma interrogação.
— O
que é interrogação?
— Sabe,
é a coisa que você precisa quando vai fazer uma pergunta. Sem ela
você não pode perguntar, ninguém vai saber que é pergunta.
— E
a exclamação?
— É
quando você exclama.
— E
quando exclamo?
—
Quando
você diz puuuuuxxxxaaaaa!
—
Puuuuuuuuuxxxxxxaaaaa,
tão fácil!
Serginho
tremeu. Que maravilha! Coisa mais incrível. Se não existisse o ?
ninguém poderia perguntar. Como viver sem perguntar? Todo mundo sabe
que para ter o sinal ? é preciso apertar o shift e o tracinho
caindo? Ciro saiu, estava atrasado, deixando Serginho intrigado. Que
coisa engraçada.
Quer
dizer que se eu não tiver um ? não posso fazer uma pergunta? E se
não existisse o shift no teclado, não poderíamos perguntar? Estava
achando tudo fascinante. O pai tinha trazido o computador, presente
para os filhos, os mais velhos começavam a precisar para trabalhos
da escola, para a internet, a irmã queria namorar por meio dele, a
mãe desejava planejar o orçamento familiar, era uma família
organizada.
O
computador tinha chegado na noite anterior e Serginho desde manhã
estava tentando decifrar mistérios. Era divertido, complicado. Acima
de tudo, mágico. Ele podia digitar uma letra (ainda que não
soubesse que a palavra era digitar) e colocá-la fechada dentro de
duas cercas (8), podia criar um mundo de estrelas “, de +, de
chapéus ^.
Não
sabia ainda o que fazer com tudo, mas descobriria.
Teria
de ser sozinho, o pai mostrava não ter paciência. Ou talvez não
soubesse. Porque o computador parecia remeter a coisas da vida que
não tinham explicações fáceis.
Igual
aquela vez em que perguntara ao pai:
— O
que é vida?
Por
que não se vê o ar?
Quando
nasceram as letras?
Por
que a água molha?
Por
que o número 7 é o 7 e não o 8, e o 9 é 9 e não o 2?
Como
a voz vem pelo telefone?
Serginho
estava descobrindo que a vida e o computador abrigam coisas que os
adultos não sabem, não conhecem, não explicam. Que a vida e o
computador têm perguntas sem respostas. Mas que respostas existem e
estão dentro do computador e das pessoas.
Disposto
a descobrir, ele começou a apertar todas as teclas:
“Caps
lock, return, shift, tab, clear, help, home, page up, page down,
control, option”
Estranhas
palavras. Quem falava assim? Língua de computador. Encheu o monitor
de números, símbolos, signos, letras.
E
aí viu uma tecla delete.
Apertou.
Tudo
sumiu, ficou o branco.
O
computador tinha engolido suas coisas de volta, mas estava pronto a
devolver.
Devolver
seus mistérios, sua mágica, o encantamento do shift, essa tecla
solitária que produz tanta diferença.
Ignácio
de Loyola Brandão, in Deixa que eu conto
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