Os
donos das terras chegavam às plantações ou então mandavam alguém
no lugar deles. Vinham em carros fechados e pegavam pequenos torrões
de terra seca para esmagá-los entre os dedos e assim conhecer-lhes a
qualidade; outras vezes traziam grandes escavadeiras que revolviam o
solo para a análise. Os meeiros, às portas de suas cabanas míseras,
olhavam inquietos o rodar dos carros através dos campos. E,
finalmente, os donos das terras paravam às portas das cabanas para
falar, sem sair do assento de seus carros, com os meeiros. Os meeiros
paravam ao lado dos carros por um momento, e depois punham-se de
cócoras e esgravatavam a poeira com varinhas secas.
As
mulheres dos meeiros também chegavam às portas das cabanas e, com
os filhos pequenos atrás delas, crianças de cabelos cor de trigo,
olhos muito abertos, um pé nu sobre outro pé nu, os dedos dos pés
a catar a poeira, olhavam os maridos falando com os donos das terras,
e as crianças também os olhavam; mantinham-se em silêncio.
Alguns
proprietários eram afáveis e detestavam o que tinham que fazer; e
outros ficavam irritados e coléricos porque não gostavam de parecer
cruéis e outros ficavam impassíveis porque tinham descoberto que um
homem não podia ser dono de terras sem ser impassível. E todos eles
se sentiam presos a uma armadilha mais poderosa que eles próprios.
Alguns detestavam os algarismos que os impeliam a assim proceder, e
outros tinham medo e ainda outros gostavam dos algarismos porque eles
lhes forneciam um refúgio contra os tormentos de sua consciência.
Se um banco ou uma companhia era o proprietário da terra, seu
representante dizia: o banco, ou a companhia, é que assim quer,
insiste, exige, como se o banco ou a companhia fosse o monstro, cheio
de ideias e sentimentos, que os apanhasse em sua armadilha. Os
representantes não queriam tomar a si a responsabilidade dos atos
dos bancos ou das companhias, porque estas eram os patrões, e, ao
mesmo tempo, máquinas de calcular, e eles não passavam de homens,
de escravos. Alguns representantes tinham orgulho de serem escravos
de patrões frios e poderosos. E, sentados em seus carros, explicavam
tudo isso aos arrendatários dizendo: vocês sabem, estas terras são
pobres, não dão mais nada; vocês já as revolveram bastante e
agora não dão mais nada, Deus sabe disso?
E
os meeiros acocorados no chão meneavam a cabeça em sinal de
assentimento e concordavam, refletiam e desenhavam figuras no solo
empoeirado. Sim, senhor, eles sabiam. As terras não dão mais nada.
Deus sabia também. Se ao menos não fosse essa poeira que cobria
tudo, decerto com algum adubo se dava um jeito. E os donos ficavam
aliviados e diziam: pois é isto, as terras estão ficando cada vez
mais pobres e imprestáveis. Vocês sabem o que o algodão está
fazendo às terras; suga-lhes todo o sangue, toda a seiva.
Os
meeiros acenavam com a cabeça, nós sabemos, Deus sabe. Se ao menos
pudessem fazer uma rotação das culturas, lhe devolveriam o sangue,
à força.
Bem,
agora é tarde, não adianta. E os representantes explicavam aos
meeiros como eram fortes os monstros, os bancos e as companhias,
muito mais fortes que eles. Uma pessoa podia continuar com as terras
enquanto elas lhe davam de comer e permitiam pagar os impostos; assim
podia continuar com elas. Sim, podia continuar, até que as safras
falhavam e tinha de se recorrer aos bancos para pedir empréstimos.
— Mas,
olha, um banco ou uma companhia não pode viver assim, porque estas
criaturas não respiram ar, nem comem carne. Elas respiram lucros e
alimentam-se de juros. Se não conseguirem estas coisas, elas morrem,
como vocês morreriam sem ar e sem carne. É triste mas é assim. É
assim, simplesmente.
E
os meeiros, agachados, erguiam a cabeça e aventuravam com timidez:
mas será que não se pode esperar mais algum tempo? Talvez o ano que
vinha fosse melhor, houvesse uma boa safra. Deus talvez permitisse
que houvesse muito algodão no próximo ano. E com todas essas
guerras, não é, o algodão pode subir de preço. Eles não faziam
explosivos com o algodão? E uniformes? Tratem de arranjar muitas
guerras e o preço do algodão subirá até o teto. Quem sabe no ano
que vem? Olhavam os senhorios com olhares interrogativos.
— Não,
nós não podemos nos fiar nisso. O banco, esse monstro, tem que
receber logo o seu dinheiro. Não pode esperar mais; senão, morre.
Não, os juros não param de subir. Quando o monstro para de crescer,
morre. O monstro não pode ficar sempre do mesmo tamanho.
Dedos
finos tamborilavam nas vidraças dos carros e dedos duros e calosos
esgravatavam ansiosamente a poeira. Nas soleiras das cabanas batidas
de sol em que moravam os meeiros, as mulheres suspiravam e mudavam as
pernas, de maneira que os pés que estavam no chão ficavam no ar e
os que estavam no ar ficavam no chão e os dedos dos pés se mexiam
lentos. Cães se acercavam, farejavam os carros e urinavam nos pneus
um após o outro. E galinhas se acocoravam na poeira quente e
sacudiam as penas para tirar o pó que se lhe descia da pele. Nos
pequenos e apertados chiqueiros, os porcos grunhiam remexendo com os
focinhos os restos turvos de lavagem.
Os
meeiros baixavam outra vez os olhos.
— Que
vamos fazer? A gente não pode contentar com uma parte menor ainda
das safras. Estamos na miséria. As crianças tão sempre com fome.
Não temos roupas, só farrapos. Se toda a vizinhança também não
fosse assim, a gente teria até vergonha de ir à missa.
Por
fim, os donos das terras desembuchavam. O sistema de arrendamento não
dava mais certo. Um só homem, guiando um trator, podia tomar o lugar
de doze a catorze famílias inteiras. Pagava-se-lhes um salário e
obtinha-se toda a colheita. Era o que iam fazer. Não gostavam de ter
de fazê-lo, mas que remédio? Os monstros assim o exigiam. E não
podiam se opor aos monstros.
— Mas
os senhores vão matar a terra com todo esse algodão.
— Sim,
a gente sabe disso. Mas vamos cultivar bastante algodão antes que a
terra morra. Depois vendemos a terra. Muitas famílias lá do leste
querem comprar um pedaço dessa terra.
Os
arrendatários erguiam os olhos alarmados:
— Mas
que será de nós? Que é que nós vamos comer?
— Vocês
têm que sair daqui. Os arados vão rasgar os quintais.
E
agora os meeiros endireitavam-se, coléricos. O avô tomou conta
destas terras e teve de lutar com índios e expulsá-los daqui. E o
pai nasceu aqui e teve que matar as cobras e arrancar as ervas
daninhas. Depois, vinha um ano ruim, e ele tinha de fazer
empréstimos.
John
Steinbeck, in As vinhas da ira
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