Gente
olhando para o céu: não é mais disco voador. Disco voador perdeu o
cartaz com tanto satélite beirando o sol e a lua. Olhamos todos para
o céu em busca de algo mais sensacional e comovente — o gavião
malvado, que mata pombas.
O
centro da cidade do Rio de Janeiro retorna assim à contemplação de
um drama bem antigo, e há o partido das pombas e o partido do
gavião. Os pombistas ou pombeiros (qualquer palavra é melhor que
“columbófilo”) querem matar o gavião. Os amigos deste dizem que
ele não é malvado tal; na verdade come a sua pombinha com a mesma
inocência com que a pomba come seu grão de milho.
Não
tomarei partido; admiro a túrgida inocência das pombas e também o
lance magnífico em que o gavião se despenca sobre uma delas. Comer
pombas é, como diria Saint-Exupéry, “a verdade do gavião”, mas
matar um gavião no ar com um belo tiro pode também ser a verdade do
caçador.
A
verdade é que não posso mais falar de aves: dei meus passarinhos.
No fim eram apenas um casal de canários e um corrupião. Faço
muitas viagens curtas e achei que a empregada não cuidava deles
bastante bem na minha ausência; mesmo que os cuidasse não lhes
fazia companhia, pois mora longe. E o prazer de minhas pequenas
viagens era estragado com a lembrança do corrupião tristemente
trancado em uma sala o dia inteiro, sem ter com quem conversar, ele
que é tão animado e tagarela. Sinto saudade deles (da canarinha, na
verdade, não: era sem graça, e andava doente) e sem eles me sinto
mais solteiro. Mas se, por exemplo, desaba uma chuvarada súbita,
ainda me assusto pensando em tirar os bichos da varanda em que ficam
nas noites quentes; quando me lembro que não estão mais comigo, que
não devo mais ter esse susto e essa aflição, então me vem um
certo alívio. Sou mais só, mas também mais livre.
Que
o gavião mate a pomba e o homem mate alegremente o gavião; ao
homem, se não houver outro bicho que o mate, pode lhe suceder que
ele encontre seu gavião em outro homem. A vida é rapina. Perdi os
cantos do meu canário e os assovios de meu sofrê; meu coração
está mais triste, mas mais leve também.
Rubem
Braga,
in Ai
de ti, Copacabana
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