Se
te quiserem convencer de que é impossível, diz-lhes que impossível
é ficares calado, impossível é não teres voz. Temos direito a
viver. Acreditamos nessa certeza com todas as forças do nosso corpo
e, mais ainda, com todas as forças da nossa vontade. Viver é um
verbo enorme, longo. Acreditamos em todo o seu tamanho, não
prescindimos de um único passo do seu/nosso caminho.
Sabemos
bem que é inútil resmungar contra o ecrã do telejornal. O vidro
não responde. Por isso, temos outros planos. Temos voz, tantas
vozes; temos rosto, tantos rostos. As ruas hão-de receber-nos, serão
pequenas para nós. Sabemos formar marés, correntes. Sabemos também
que nunca nos foi oferecido nada. Cada conquista foi ganha milímetro
a milímetro. Antes de estar à vista de toda a gente, prática e
concreta, era sempre impossível, mas viver é acreditar. Temos
direito à esperança. Esta vida pertence-nos.
Além
disso, é magnífico estragar a festa aos poderosos. É divertido,
saudável, faz bem à pele. Quando eles pensam que já nos
distribuíram um lugar, que já está tudo decidido, que nos
compraram com falinhas mansas e autocolantes, mostramos-lhes que
sabemos gritar. Envergonhamo-los como as crianças de cinco anos
envergonham os pais na fila do supermercado. Com a diferença grande
de não sermos crianças de cinco anos e com a diferença imensa de
eles não serem nossos pais porque os nossos pais, há quase quatro
décadas atrás, tiveram de livrar-se dos pais deles. Ou, pelo menos,
tentaram.
O
único impossível é o que julgarmos que não somos capazes de
construir. Temos mãos e um número sem fim de habilidades que
podemos fazer com elas. Nenhum desses truques é deixá-las cair ao
longo do corpo, guardá-las nos bolsos, estendê-las à caridade. Por
isso, não vamos pedir, vamos exigir. Havemos de repetir as vezes que
forem necessárias: temos direito a viver. Nunca duvidamos de que
somos muito maiores do que o nosso currículo, o nosso tempo não é
um contrato a prazo, não há recibos verdes capazes de contabilizar
aquilo que valemos.
Vida,
se nos estás a ouvir, sabe que caminhamos na tua direção. A nossa
liberdade cresce ao acreditarmos e nós crescemos com ela e tu, vida,
cresces também. Se te quiserem convencer, vida, de que é
impossível, diz-lhe que vamos todos em teu resgate, faremos o que
for preciso e diz-lhes que impossível é negarem-te, camuflarem-te
com números, diz-lhes que impossível é não teres voz.
José
Luís Peixoto, in Abraço
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