Ao
fim de uma entrevista, a entrevistadora me pediu: “Rubem Alves em
uma frase...”. O pensamento voou até que parou num verso de Robert
Frost que seria o seu epitáfio: “Ele teve um caso de amor com a
vida...”.
Nos
quarenta anos em que peregrinou pelo deserto, o povo de Israel,
segundo conta a estória, foi alimentado por um alimento que caía
dos céus durante a noite. As pessoas tinham permissão para colher
desse alimento, o maná, na medida de suas necessidades. Só para o
dia. Alguns, com medo de que o maná não caísse no dia seguinte,
colheram em dobro, por via das dúvidas... Mas, quando foram comer o
maná poupado, viram que ele estava apodrecido, cheio de bichos.
Talvez isso queira dizer que a vida há de ser colhida diariamente.
Quem deseja economizar o hoje para o amanhã fica com a vida
apodrecida nas mãos.
Meus
sonhos? Sonho em ter tempo para curtir as montanhas e cachoeiras das
Minas Gerais. Sonho em ter tempo para vagabundear. Sonho em ter tempo
para brincar com minhas netas. Sonho em escrever uns livros que estão
na minha cabeça e que não consigo escrever por falta de tempo.
O
que tenho sentido? Beleza. Nostalgia. Tristeza. Cansaço. Urgência.
A curteza do tempo. Um enorme desejo de passar uns tempos num
mosteiro, longe de cartas, telefones, micros, viagens, e-mails,
curtindo a solidão e a ausência de obrigações.
Quanto
maior a beleza, maior também a tristeza. A beleza em solidão é
sempre triste. Beleza solitária dá vontade de chorar. Para ser boa,
a beleza exige, pelo menos, dois pares de olhos tranquilos se
olhando, dois pares de mãos amigas brincando, e bocas de voz mansa
sussurrando.
Cada
momento de alegria, cada instante efêmero de beleza, cada minuto de
amor, são razões suficientes para uma vida inteira. A beleza de um
único momento vale a pena de todos os sofrimentos.
A
alma é uma cigarra. Há na vida um momento em que uma voz nos diz
que chegou a hora de uma grande metamorfose; é preciso abandonar o
que sempre fomos para nos tornarmos outra coisa: “Cigarra! Morre e
transforma-te! Saia da escuridão da terra. Voa pelo espaço vazio!”.
“A
cobra que não consegue livrar-se de sua casca morre. O mesmo
acontece com os espíritos que são impedidos de mudar as suas
opiniões; eles deixam de ser espírito.” (Nietzsche)
Rubem
Alves, in Do universo à jabuticaba
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