Odeio
a ideia de morte repentina, embora todos achem que é a melhor.
Discordo. Tremo ao pensar que o jaguar negro possa estar à espreita
na próxima esquina. Não quero que seja súbita. Quero tempo para
escrever o meu haicai. O último haicai é isto: o esforço supremo
para dizer a beleza simples da vida que se vai. Como dizia o bruxo D.
Juan ao seu aprendiz: “A morte é a única conselheira sábia que
temos. Sempre que você sentir que tudo vai de mal a pior e que você
está a ponto de ser aniquilado, volte-se para a sua Morte e
pergunte-lhe se isso é verdade. Sua Morte lhe dirá que você está
errado. Nada realmente importa fora do seu toque... Sua Morte o
encarará e lhe dirá: ‘Ainda não o toquei’”. E o feiticeiro
concluiu: “Um de nós tem de mudar, e rápido. Um de nós tem de
aprender que a Morte é caçadora, e está sempre à nossa esquerda.
Um de nós tem de aceitar o conselho da Morte e abandonar a maldita
mesquinharia que acompanha os homens que vivem suas vidas como se a
Morte não os fosse tocar nunca”.
A
Morte não é algo que nos espera no fim. É companheira silenciosa
que fala com voz branda, sem querer nos aterrorizar, dizendo sempre a
verdade e nos convidando à sabedoria de viver. A branda fala da
Morte não nos aterroriza por nos falar da Morte. Ela nos aterroriza
por nos falar da Vida. Na verdade, a Morte nunca fala sobre si mesma.
Ela sempre nos fala sobre aquilo que estamos fazendo com a própria
Vida, as perdas, os sonhos que não sonhamos, os riscos que não
tomamos (por medo), os suicídios lentos que perpetramos. Embora a
gente não saiba, a Morte fala com a voz do poeta. Porque é nele que
as duas, a Vida e a Morte, encontram-se reconciliadas, conversam uma
com a outra, e desta conversa surge a Beleza... Ela nos convida a
contemplar a nossa própria verdade. E o que ela nos diz é
simplesmente isto: “Veja a vida. Não há tempo a perder. É
preciso viver agora! Não se pode deixar o amor para depois...”.
Rubem
Alves, in Do universo à jabuticaba
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