domingo, 14 de fevereiro de 2016

Uma lua recolhida


Os cavalos suavam sal e espuma. Muita vez a gente cumpria por picadas no mato, caminho de anta ― a ida da vinda... De noite, se é de ser, o céu embola um brilho. Cabeça da gente quase esbarra nelas. Bonito em muito comparecer, como o céu de estrelas, por meados de fevereiro! Mas, em deslúa, no escuro feito, é um escurão, que pêia e péga. E noite de muito volume. Treva toda do sertão, sempre me fez mal. Diadorim, não, ele não largava o fogo de gelo daquela ideia; e nunca se cismava. Mas eu queria que a madrugada viesse. Dia quente, noite fria. Arrancávamos canela-de-ema, para acender fogueira. Se a gente tinha o que comer e beber, eu dormia logo. Sonhava. Só sonho, mal ou bem, livrado. Eu tinha uma lua recolhida. Quando o dia quebrava as barras, eu escutava outros pássaros.Tirirí, graúna, a fariscadeira, juriti-do-peito-branco ou a pomba-vermelha-do-mato-virgem. Mas mais o bem-te-vi. Atrás e adiante de mim, por toda a parte, parecia que era um bem-te-vi só. ― Gente! Não se acha até que ele é sempre um, em mesmo? ― perguntei a Diadorim. Ele não aprovou, e estava incerto de feições. Quando meu amigo ficava assim, eu perdia meu bom sentir. E permaneci duvidando que seria ― que era um bem-te-vi, exato, perseguindo minha vida em vez, me acusando de más-horas que eu ainda não tinha procedido. Até hoje é assim... Dali vindo, visitar convém ao senhor o povoado dos pretos: esses bateavam em faisqueiras ― no recesso brenho do Vargem-da-Cria ― donde ouro já se tirou. Acho, de baixo quilate. Uns pretos que ainda sabem cantar gabos em sua língua da Costa. E em andemos! jagunço era que perpassava ligeiro; no chapadão, os legítimos coitados todos vivem é demais devagar, pasmacez. A tanta miséria. O chapadão, no pardo, é igual, igual ― a muita gente ele entristece; mas eu já nasci gostando dele. As chuvas se temperaram...”
Guimarães Rosa, in Grande sertão: veredas

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