segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Estranhamentos

Nada me causou mais estranhamento, na infância ou depois, do que visitar as casas dos meus vizinhos — primeiro e definitivo contato com a alteridade. As plantas dos sobrados eram idênticas, mas a ocupação variava: na casa do Henrique, por exemplo, a televisão estava onde deveria ficar a mesa de jantar, a mesa de jantar onde deveria estar o sofá, o quarto dele era onde, lá em casa, ficava o quarto dos meus pais e vice-versa. Sem falar na casa do Rodrigo, onde os pratos eram azuis. Como poderiam não saber que pratos são brancos?
Tinha pena dos outros, hereges, vivendo errado.
Dentro, nossa casa era toda branca, mas por fora era de uma tonalidade meio marrom, meio rosa. Um dia, perguntei à minha mãe que cor era aquela.
Terracota.”
Não gostei. Senti que nosso lar era de alguma forma conspurcado por uma cor com terra no nome.
Antonio Prata, in Nu, de botas

Nenhum comentário:

Postar um comentário