É
certo que a invenção poética de Manoel de Barros tem personalidade
própria rara entre os nossos poetas, rara mesmo entre os nossos
grandes poetas. É por isso que ele é um poeta maior.
Mas
não é só por isso. Num momento em que somos catequizados como
seres insuflados de divino mas ao mesmo tempo praticamos as maiores
torpezas com os nossos semelhantes, é um esplendor ver luzir de
forma tão convincente e harmoniosa a certeza de que entre o caramujo
e o homem há um nexo necessário que nos deveria fazer mais
solidários com a vida. Mas Manoel de Barros vai além: prova, com a
doçura e adequação de suas palavras, que, se quisermos, a nossa
vida pode ser uma passagem de beleza em meio à beleza natural, uma
prece de harmonia na vida universal, uma nuga de graça, um momento
de bondade, em que há algo de irônico, de lírico, de doce, de
solidário, de esperançoso.
A
poesia de Manoel de Barros, nesta nossa conjuntura, nacional e humana
em geral, é um maravilhoso filtro contra a arrogância, a
exploração, a estupidez, a cobiça, a burrice — não se propondo,
ao mesmo tempo, ensinar nada a ninguém, senão que à vida.
Antônio
Houaiss, Rio de Janeiro, 5 de outubro de 1992
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