domingo, 7 de fevereiro de 2016

A dor do parto é também de quem nasce

Você não sabe que está em coma. Se tivesse morrido, não teria sabido. Quando voltei, soube que havia ficado em coma sessenta e nove dias. Viver, para mim, é um espanto muito grande. Depois desse período, fiquei muito espantado com a vida. Nascer é um ato extremamente arbitrário. Não fui consultado se queria nascer e isso me pesa muito. Ninguém me perguntou se eu queria nascer, depois não escolhi nem mãe nem pai. Não escolhi o país, nem o idioma que queria falar, nem a cor que queria ter. Ninguém me perguntou nada. É um dos fatos mais arbitrários do mundo. Escrevo neste livro  (Vermelho amargo) que a dor do parto é também de quem nasce. Outra coisa arbitrária é morrer, porque você não pediu para nascer. E quando vê a luz do mundo, a cor, a alegria do mundo, alguém fala que você vai morrer. Morrer é outra coisa arbitrária. Saber que é uma experiência individual. Só posso nascer do meu parto e só posso morrer da minha morte. Por mais que ame o outro, são coisas que não posso fazer no lugar dele. Não poder morrer no lugar de ninguém é uma coisa tão arbitrária. Uma educação que não trabalha com isso passa ao largo. Perde o cuidado com a vida. A educação que não tem esse cuidado, que nascer é ganhar o abandono. Nascer é ser expulso do paraíso, é andar com a própria perna, é falar com a própria boca, é ouvir com o próprio ouvido. Nascer é o abandono e é isso que nos faz ter compaixão pelo outro. A compaixão surge com a consciência desse abandono, com o medo da morte. É aí que criamos uma paixão pelo outro. Essa compaixão surge dessa nossa fragilidade, que é absoluta. E nós não falamos mais nisso. A literatura para criança, às vezes, não fala disso. Tenho um livro — Até passarinho passa — que fala da morte. A morte nos espanta tanto que não queremos nem pensar. Mas é o que nos segura.”
Bartolomeu Campos de Queirós, in Palestra no Teatro do Paiol, Curitiba – PR 

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