“Foi seu último
livro completo. Tinha sido um leitor de voracidade imperturbável,
tanto nas tréguas das batalhas como nos repousos do amor, mas sem ordem nem método. Lia a
toda hora, com a luz que houvesse, ora passeando debaixo das
árvores, ora a cavalo sob os sóis equatoriais, ora na penumbra dos
coches trepidantes sobre os calçamentos de pedra, ora balouçando
na rede enquanto ditava uma carta. Um livreiro de Lima se
surpreendera com a abundância e a variedade das obras que
selecionou de um catálogo geral onde havia desde os filósofos
gregos até um tratado de quiromancia. Na juventude lera os
românticos por influência de um professor Simon Rodríguez, e
continuou a devorá-los como se estivesse lendo a si mesmo com seu
temperamento idealista e exaltado. Foram leituras passionais que o
marcaram para o resto da vida. No fim havia lido tudo o que lhe
caíra nas mãos, e não teve um autor predileto, mas muitos que o
foram em diferentes épocas. As estantes das diversas casas onde
viveu estiveram sempre abarrotadas, e os dormitórios e corredores
acabavam convertidos em desfiladeiros de livros amontoados e
montanhas de documentos errantes que proliferavam à sua passagem e
o perseguiam sem misericórdia buscando a paz dos arquivos. Nunca
chegou a ler tantos livros quantos possuía. Ao mudar de cidade
entregava-os aos cuidados dos amigos de mais confiança, embora
nunca voltasse a ter notícia deles, e a vida de guerra o obrigou a
deixar um rastro de mais de quatrocentas léguas de livros e papéis,
da Bolívia
à Venezuela.”
Gabriel
García Márquez,
in O
general em seu labirinto
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