segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

O homem mais veloz da Terra

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Era 1936. A Olimpíada. Os jogos de Hitler. Jesse Owens acabara de completar o revezamento 4 X 100 e conquistara sua quarta medalha de ouro. A história de que ele era subumano, por ser negro, e da recusa de Hitler a lhe apertar a mão foi alardeada pelo mundo afora. Até os alemães mais racistas ficaram admirados com os esforços de Owens, e a notícia de sua proeza vazou pelas brechas. Ninguém ficou mais impressionado do que Rudy Steiner. Todos os seus familiares estavam amontoados na sala da família quando ele se esgueirou para a cozinha. Tirou um pouco de carvão do fogão e segurou as pedras nas mãozinhas miúdas. “É agora.” Veio o sorriso. Ele estava pronto. Esfregou bem o carvão no corpo, numa camada espessa, até ficar coberto de preto. Até no cabelo deu uma esfregada. Na janela, o menino deu um sorriso quase maníaco para seu reflexo e, de short e camiseta, surrupiou silenciosamente a bicicleta do irmão mais velho e saiu pedalando pela rua, em direção ao Oval Hubert. Escondera num dos bolsos uns pedaços extras de carvão, para o caso de parte dele sair, mais tarde. Na cabeça de Liesel, a Lua estava costurada no céu naquela noite. Com nuvens pespontadas em volta dela. A bicicleta enferrujada parou com um tranco na cerca do Oval Hubert, que Rudy escalou. Desceu do outro lado e foi saltitando, desajeitado, até o começo dos cem metros. Com entusiasmo, fez uma série de alongamentos pavorosos. Cavou buracos para a partida na terra. A espera de seu momento, andou de um lado para outro, reunindo a concentração sob o céu de trevas, com a Lua e as nuvens vigiando, tensas. — Owens está com pinta de vencedor — começou a comentar. — Esta talvez seja sua maior vitória em todos os tempos… Apertou as mãos imaginárias dos outros atletas e lhes desejou boa sorte, muito embora soubesse. Eles não tinham a menor chance. O juiz da largada fez sinal para que os atletas avançassem. Uma multidão materializou-se em cada centímetro quadrado da circunferência do Oval Hubert. Todos gritavam uma coisa só. Entoavam o nome de Rudy Steiner — e seu nome era Jesse Owens. Calaram-se todos. Os pés descalços do menino agarraram o chão. Ele podia sentir a terra grudada entre os dedos. Ao comando do juiz de largada, assumiu a posição — e a pistola abriu um buraco na noite. No primeiro terço da corrida, foi tudo bastante equilibrado, mas era só uma questão de tempo para que o Owens encarvoado se livrasse e ampliasse a vantagem. — Owens na frente —gritou a voz esganiçada do menino, enquanto ele corria pela pista deserta, diretamente em direção aos aplausos retumbantes da glória olímpica. Chegou até a sentir a fita romper-se em duas em seu peito, ao atravessá-la em primeiro lugar. O homem mais veloz da Terra.”
Markus Zusak, in A menina que roubava livros

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