“A
arte chinesa: já notaram que seus cenários aparecem sempre cobertos
por neblinas? Estão lá porque a alma precisa
delas... A vida é cheia de neblinas... Durante a Revolução
Cultural, as neblinas foram proibidas. Revoluções são tempos de
certezas. Palavras de ordem não toleram as brumas, pois é lá que
moram os sonhos. Luminosidade total para tornar impossível sonhar.
Pois os sonhos são testemunhos de que a alma se recusa a se tornar
um pássaro engaiolado. Nenhum lugar protegido pela sombra, nenhum
canto escuro, longe dos olhos, nenhum mistério. Visibilidade total.
Os contornos devem ser definidos com clareza. Os sentidos devem ser
declarados sem ambiguidades, sem intervalos em seus interstícios.
Ernst Bloch tem
um denso parágrafo em que examina o sentido das utopias. Diz ele:
“Se é verdade que as coisas comumente são vistas como elas são,
não é, entretanto, um paradoxo absurdo colocar pelo menos uma
ênfase igual no fato de poderem elas ser diferentes do que são. É
por isto que a observação de Oscar Wilde de que “um mapa do mundo
sem o país da Utopia não merece nem sequer uma olhadela”, não
produz choque algum, exceto o choque do reconhecimento.
Rubem
Alves,
in Do
universo à jabuticaba
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