sábado, 23 de janeiro de 2016

Chuva


Escrevo-te agora porque a Internet caiu mais cedo. Um temporal derrubou a cruz da igreja e a correnteza da enchente fez com que uma criança sumisse nos bueiros do bairro. Sinto sua falta. A saudade lateja mais que minha dor de dente. Lembro-me daquela vez que você encostou a cabeça no meu peito de metalúrgico grevista e começou a chorar mornamente sem parar falando do irmão que morreu de AIDS e da mãe que enlouqueceu de tanto tomar tranquilizantes. Escrevo-te agora porque acabo de escrever um poema lindo do jeito que gostavas de ler sentada no trono do banheiro. Lia alto que da cozinha escutava suas gargalhadas de atriz de ópera. Escrevo-te agora porque todas as cartas que escrevi voltaram (até o carteiro sente pena de mim). Escrevo-te agora porque escrevi seu nome no meu último cigarro do maço e fumei lentamente até a chuva passar.
Diego Moraes, in Meu coração é um bar vazio tocando Belchior

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