“Um grego, de
cujo nome não me recordo, era do mesmo parecer, e a sua história é
tão engraçada que eu até quero contá-la. Esse homem era louco de
todas as formas: desde manhã muito cedo até
tarde da noite, ficava sentado sozinho no teatro e, imaginando que
assistia a uma magnífica representação, embora na realidade nada
se representasse, ria, aplaudia e divertia-se à grande. Fora dessa
loucura, ele era, em tudo o mais, uma ótima pessoa: complacente e
fiel com os amigos; terno, cortês, condescendente com a mulher;
indulgente com os escravos, não se enfurecendo quando via quebrar-se
uma garrafa. Seus parentes deram-se ao incômodo de curá-lo com
heléboro; mal, porém, ele voltou ao estado que impropriamente se
chama de bom senso, dirigiu-lhe esta bela e sensata apóstrofe: “Meus
caros amigos, que fizeram vocês? Pretendem ter-me curado e, no
entanto, mataram-me; para mim, acabaram-se os prazeres: vocês me
tiraram uma ilusão que constituía toda a minha felicidade”. Tinha
sobras de razão esse convalescente, e os que, por meio da arte
médica, julgaram curá-lo, como de um mal, de tão feliz e agradável
loucura, mostraram precisar mais do que ele de uma boa dose de
heléboro.”
Erasmo
de Rotterdam, in Elogio da Loucura
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