Diadorim
e eu, nós dois. A gente dava passeios. Com assim, a gente se
diferenciava dos outros ― porque jagunço não é muito de conversa
continuada nem de amizades estreitas: a bem eles se misturam e
desmisturam, de acaso, mas cada um é feito um por si. De nós dois
juntos, ninguém nada não falava. Tinham a boa prudência. Dissesse
um, caçoasse, digo ― podia morrer. Se acostumavam de ver a gente
parmente. Que nem mais maldavam. E estávamos conversando, perto do
rego ― bicame de velha fazenda, onde o agrião dá flor. Desse
lusfús, ia escurecendo. Diadorim acendeu um foguinho, eu fui buscar
sabugos. Mariposas passavam muitas, por entre as nossas caras, e
besouros graúdos esbarravam. Puxava uma brisbrisa. O ianso do vento
revinha com o cheiro de alguma chuva perto. E o chiim dos grilos
ajuntava o campo, aos quadrados. Por mim, só, de tantas minúcias,
não era o capaz de me alembrar, não sou de à parada pouca coisa;
mas a saudade me alembra. Que se hoje fosse. Diadorim me pôs o
rastro dele para sempre em todas essas quisquilhas da natureza. Sei
como sei. Som como os sapos sorumbavam. Diadorim, duro sério, tão
bonito, no relume das brasas. Quase que a gente não abria boca; mas
era um delém que me tirava para ele ― o irremediável extenso da
vida. Por mim, não sei que tontura de vexame, com ele calado eu a
ele estava obedecendo quieto. Quase que sem menos era assim! a gente
chegava num lugar, ele falava para eu sentar; eu sentava. Não gosto
de ficar em pé. Então, depois, ele vinha sentava, sua vez. Sempre
mediante mais longe. Eu não tinha coragem de mudar para mais perto.
Só de mim era que Diadorim às vezes parecia ter um espevito de
desconfiança; de mim, que era o amigo! Mas, essa ocasião, ele
estava ali, mais vindo, a meia-mão de mim. E eu ― mal de não me
consentir em nenhum afirmar das docemente coisas que são feias ―
eu me esquecia de tudo, num espairecer de contentamento, deixava de
pensar. Mas sucedia uma duvidação, ranço de desgosto! eu versava
aquilo em redondos e quadrados. Só que coração meu podia mais. O
corpo não traslada, mas muito sabe, adivinha se não entende. Perto
de muita água, tudo é feliz. Se escutou, banda do rio, uma lontra
por outra! o issilvo de plim, chupante. ― Tá que, mas eu quero que
esse dia chegue! ― Diadorim dizia. ― Não posso ter alegria
nenhuma, nem minha mera vida mesma, enquanto aqueles dois monstros
não forem bem acabados... E ele suspirava de ódio, como se fosse
por amor; mas, no mais, não se alterava. De tão grande, o dele não
podia mais ter aumento: parava sendo um ódio sossegado. Odio com
paciência; o senhor sabe?
Guimarães
Rosa, in Grande sertão: veredas
Nenhum comentário:
Postar um comentário