terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Literatura afetiva

Quando terminei o curso primário, fui estudar como interno em Divinópolis. Lá, com onze ou doze anos, encontro o professor de literatura José Dias Lara. Ele me introduz na literatura. Com ele, começo a ler Machado de Assis, José Lins do Rego, José de Alencar. Com uma orientação maravilhosa, devo a esse professor o meu gosto pela literatura.
Sempre fui um bom leitor. Tive uma professora muito interessante. Quando entrei na escola, já sabia ler e escrever — o meu avô já havia me ensinado. Mas tinha tanta vontade que a dona Maria Campos — minha primeira professora — gostasse de mim, que resolvi esquecer tudo. E aprendi tudo outra vez. Ela ficava tão feliz comigo aprendendo tudo o tempo inteiro, rápido. E tudo o que queria na vida era que ela gostasse de mim, mais nada.
Quando dava aula para professores em especialização, brincava com eles. Acho que a criança quando entra na escola, não aprende porque vai prestar concurso, vestibular, nada disso. Ela aprende para ser amada por aquele que sabe. E o professor é aquele que sabe e ela quer ser amada por aquele que sabe.
Acho que a aprendizagem no início da infância está na ordem puramente do afetivo. Sem isso não dá. Aprendi com Merleau Ponty que a primeira leitura que a criança faz na sala de aula é a do olhar do professor.
Há pessoas que quando nos olham nos afastam. Outras, quando nos olham, nos acariciam.
Há crianças que não aprendem porque o olhar do professor não deixa. Há criança que não usa a liberdade porque tem medo do olhar do professor. O olhar do professor imobiliza.
Muitas vezes, jogamos nas costas dos métodos a não aprendizagem da criança, quando, às vezes, a aprendizagem da criança é interditada pelo olhar do professor, que é a primeira leitura que ela faz.
Merleau Ponty descobriu uma coisa fundamental. Um dia, ele olha muito tempo para o sol e descobre que olhar dói. Ele começa, então, a fazer uma análise dessas coisas. Começa a perceber que ouvir uma música tão bonita às vezes pode arrepiar o meu corpo. Então, ouvir também é tátil. No gosto, posso acordar a memória. Então, o homem é uma coisa inteira, não é dividida em apenas cinco sentidos.
Quando se trabalha com a infância é muito bom nos policiarmos sobre o olhar que destinamos ao outro e que muitas vezes interdita o outro. Não permite que a liberdade se faça ali. As crianças precisam muito de nós, adultos. Elas precisam muito de nós para crescer e elas sabem disso. É importante e bom fazermos essa leitura.
Bartolomeu Campos de Queirós, in Palestra no Teatro do Paiol, Curitiba - PR

Nenhum comentário:

Postar um comentário