“Sentado
no meio-fio, cavoucava com um graveto as fendas entre os
paralelepípedos, esperando encontrar petróleo, ossos de dinossauro,
tesouros escondidos por piratas, ruínas de extintas civilizações.
Enquanto a sorte não vinha, contentava-me em desenterrar tampinhas
enferrujadas, cascos de caramujo, fichas telefônicas; divertia-me
desalojando minhocas, formigas e tatus-bola.
Não
respeitava as minhocas: mal saíam da terra, começavam a se debater
feito loucas. Bicho aflito, mau exemplo.
Não
respeitava as formigas: indecisas, iam e vinham; burras, demoravam
séculos para entender que bastava contornar a barreira surgida no
meio do caminho (meu cuspe) para chegar lá — aonde quer que
estivessem indo.
Toda
reverência aos tatus-bola.
Tocava-os
de leve para vê-los se fechar em suas esféricas armaduras, depois
os rolava para cá e para lá.
Um
dia, talvez influenciado pela semelhança visual e fonética entre
bolas e balas, tentei comer um deles. Minha mãe (n)o(s) salvou na
última hora, tirando-o da minha boca e devolvendo-o à terra ainda
intacto.
Não
ficou registrado na crônica familiar se alguma vez, longe da
supervisão materna, eu e os tatus-b(a)ola chegamos às vias de
fato.”
Antonio
Prata, in Nu, de botas
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