segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Abundio Martínez

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Naquela mesma hora a mãe de Gamaliel Villalpando, dona Inés, varria a rua na frente da loja do filho, quando chegou e, pela porta entreaberta, entrou Abundio Martínez. Encontrou Gamaliel dormindo em cima do balcão, com o chapelão cobrindo sua cara para que as moscas não o incomodassem. Teve de esperar um bom tempo até ele acordar. Teve de esperar que dona Inés terminasse a labuta de varrer a rua e viesse cutucar as costelas do filho com o cabo da vassoura e dissesse a ele:
Tem cliente aqui! Levanta!
Gamaliel endireitou-se de mau humor, dando uns grunhidos. Tinha os olhos avermelhados de tanto sono e de tanto acompanhar os bêbados, embebedando-se com eles. Já sentado sobre o balcão, amaldiçoou a mãe, amaldiçoou a si mesmo e amaldiçoou infinitas vezes a vida “que valia um caralho”. Depois tomou a se acomodar com as mãos entre as pernas e virou-se para dormir, ainda balbuciando maldições:
Eu não tenho culpa de a essas horas os bêbados andarem soltos.
Coitado do meu filho. Desculpe, Abundio. O coitado passou a noite atendendo a uns viajantes que não queriam saber de largar o copo. O que traz o senhor por aqui tão cedo?
Disse tudo isso aos berros, porque Abundio era surdo.
Pois só um meio litro de álcool, que ando necessitado.
Refugio tornou a desmaiar?
Ela já morreu e tudo, mãe Villa. Ontem à noite, quase às onze. E pensar que até vendi meus burros. Até isso eu vendi para conseguir ajuda que lhe desse um alívio.
Não escuto o que você está dizendo! Ou você não está dizendo nada? O que é que você diz?
Que passei a noite inteira velando a morta, a Refugio. Deixou de suspirar ontem à noite.
Com razão senti cheiro de morto. Veja só, eu até disse a Gamaliel: “Estou cheirando que alguém morreu no povoado.” Mas ele nem me deu confiança; por causa dessa história de ter de compartilhar com os viajantes, o coitado se embebedou. E você sabe que quando está nesse estado, tudo é rir, e ele nem me dá confiança. Mas o que é que você está me dizendo? E tem convidados para o velório?
Nenhum, mamãe Villa. Por isso quero o álcool, para curar minhas penas.
Puro?
Sim, mãe Villa. Para me embebedar mais depressa. E me dê agorinha que estou apressado.
Vou dar mais um quarto pelo mesmo preço e por ser para você. Vai dizendo à finadinha, enquanto isso, que eu sempre a apreciei e que ela se lembre de mim quando chegar à glória.
Sim, mamãe Villa.
Pois diz isso a ela antes que ela acabe de esfriar.
Vou dizer. Eu sei que ela também conta com a senhora para que ofereça a ela suas orações. Só de pensar que ela morreu pesarosa porque não teve ninguém nem para auxiliá-la.
O que, você não foi ver o padre Rentería?
Fui. Mas me informaram que andava pelos montes.
Em qual monte?
Pois por esses ermos. A senhora sabe que andam na rebelião.
Quer dizer que ele também? Pobres de nós, Abundio.
Essa história não nos importa nada, mamãe Villa. Isso aí e nada para nós dá no mesmo. Sirva mais um. Assim meio disfarçado, já que o Gamaliel está é dormindo.
Mas não se esqueça de pedir à Refugio que rogue a Deus por mim, que necessito tanto.
Nem se angustie. É chegar e dizer. E até vou arrancar dela a promessa apalavrada, para o caso de ser necessário e para que a senhora deixe de aflições.
Isso, é isso mesmo que você deve fazer. Porque você sabe como as mulheres são. Assim, é preciso exigir delas que cumpram em seguidinha o combinado.
Juan Rulfo, in Pedro Páramo

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