Graciliano Ramos por Osvalter
Além
da técnica do romance, que cultivou com incrível obstinação
conforme afirma em artigos e entrevistas, sobretudo nos livros Linhas Tortas, Conversas com Graciliano e Garranchos, o escritor Graciliano Ramos, um dos mais sofisticados da América
Latina, era um inquieto experimentalista, sempre procurando encontrar
fórmulas novas para escrever seus textos. É verdade que não
gostava das metáforas, por motivos mais políticos do que estéticos,
nem admitia o planejamento rigoroso e inalterado da obra de ficção,
considerando, no entanto, as questões íntimas do romance que
chamava de “elementos essenciais da narrativa”.
A
crítica sempre procurou passar a ideia de um Graciliano fechado,
zangado e difícil, sem abertura para o novo e para a vanguarda. O
que não é verdade, em absoluto. Ele experimentava muito, aliás,
experimentava demais. No artigo Visões de Graciliano Ramos, por exemplo, Otto Maria Carpeaux
destaca que a estreia do alagoano “excepcionalmente tardia, com
mais de quarenta anos, deve ter sido precedida de vagarosos
preparativos de um experimentador, e depois continuou a experimentar
sempre. O nosso amigo comum, Aurélio Buarque de Holanda, chamou-me a
atenção para a circunstância de cada uma das obras de Graciliano
Ramos representar um tipo diferente de romance. Com efeito, Caetés é de um Anatole France, S. Bernardo é digno do Balzac, Angústia tem algo de Marcel Jouhandeau, e Vidas Secas algo dos recentes contistas norte-americanos”. Uma
constatação no mínimo revolucionária porque revela a busca
incessante de Graciliano para encontrar sua voz, seu ritmo, sua
pulsação, e desmonta a ideia de um escritor sempre linear, sempre
repetitivo, sempre lógico.
Mas
isso é incompreensível porque o autor sempre indicou, em artigos,
os caminhos de sua obra, visto apenas como conteudística, uma
espécie de manifesto sobre os sertanejos e o seu destino no dorso do
mundo. O que impressiona muito porque Vidas Secas é uma obra revolucionária, a partir da
distribuição de capítulos. A respeito da criação deste livro,
Graciliano revelou como compôs os personagens: “Os meus matutos
são calados e pensam pouco. Mas sempre devem ter algum pensamento e
isto é o que me interessa. Não gastei com eles metáforas ruins que
o Nordeste infelizmente produz com abundância. Também não descrevi
o pôr do sol, a madrugada, a cheia e o incêndio, que são
obrigatórios”.
Além
de rejeitar esses elementos narrativos que ele chamava de folclóricos
e exibicionistas, Vidas Secas ainda apresenta um elemento narrativo fortemente
revolucionário não conhecido na prosa de ficção brasileira: o
personagem inominado. Assim nascem o menino mais velho, o menino mais
novo e o soldado amarelo, além do animal que pensa: a cadela Baleia.
Um avanço extraordinário, que fez o romance brasileiro atingir um
novo patamar. No lançamento o livro foi muito aplaudido, mas as
inovações literalmente desconhecidas, até por causa da disputa que
havia entre o Regionalismo e o Modernismo, destacando-se
equivocadamente que Graciliano seria regionalista.
A
qualidade mais destacada do livro é a criação do “romance
desmontável”. Ele mesmo explica: “A narrativa foi escrita sem
ordem. Comecei pelo nono capítulo. Depois vieram o quarto, o
terceiro, etc. Aqui ficam as datas em que foram arrumados: ‘mudança’,
16 de julho; ‘fabiano’, 22 de agosto; ‘cadeia’, 21 de junho;
‘sinhá Vitória’’, 18 de junho; ‘o menino mais novo’, 26
de junho; ‘o menino mais velho’, 8 de julho; ‘inverno’, 14 de
julho; ‘festa’, 22 de julho; ‘baleia’, 4 de maio; ‘contas’,
29 de julho; ‘O soldado amarelo’, 6 de setembro; ‘O mundo
coberto de penas’, 27 de agosto; e ‘fuga’, 6 de outubro”.
Confirma-se, dessa forma, o experimentalismo e a técnica na obra
magistral de Graciliano Ramos.
Em
artigos esparsos, Graciliano também destacou uma poética de
romance, revelando a importância fundamental do personagem no centro
da narrativa. Eis os três pontos relevantes da poética de
Graciliano:
1. Personagens
Este
é um dos pontos mais importantes da criação literária do autor de Angústia. Os personagens somos nós. E o autor deve mostrar a reação do
personagem na cena e não apenas registrar o exterior.
2. Cenas e cenários
As
cenas são decisivas, mas os cenários são dispensáveis. Caso
existam, cabe ao narrador permitir que o personagem os interprete.
3. Diálogos
Os
diálogos devem ser simples e objetivos, próximos da realidade, mas
sem imitação.
Graciliano
frequentemente escrevia textos para colunistas literários, revelando
suas preocupações técnicas. Esses textos agora estão reunidos nos
livros Conversas com Graciliano Ramos e Garranchos. A respeito de criação de personagens, recomenda-se a leitura do
livro Viventes das Alagoas, onde se destacam os caboclos Libório e
Ciríaco. Impressiona o fato de um escritor criado no Sertão das
Alagoas tenha tido ideias tão sofisticadas a respeito do romance
moderno e contemporâneo.
Raimundo
Carrero, in rascunho.gazetadopovo.com.br
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