Éramos
três velhos amigos na praia quase deserta. O sol estava bom; e o
mar, violento. Impossível nadar: as ondas rebentavam lá fora,
enormes, depois avançavam sua frente de espumas e vinham se
empinando outra vez, inflando, oscilantes, túmidas, azuis, para
poucar de súbito na praia. Mal a gente entrava no mar a areia
descaía de chofre; quase a pique, para uma bacia em que não dava
pé; alguns metros além havia certamente uma plataforma de areia
onde o mar estourava primeiro. Demos alguns mergulhos, apanhamos
fortes lambadas de onda e nos deixamos ficar conversando na praia; o
sol estava bom.
Éramos
três velhos amigos e cada um estava tão à vontade junto dos outros
que não tínhamos o sentimento de estar juntos, apenas estávamos
ali. Talvez há 10 ou 15 anos tivéssemos estado os três ali, ou em
algum outro lugar da praia, conversando talvez as mesmas coisas.
Certamente éramos os três mais magros, nossos cabelos eram mais
negros... Mas que nos importava isso agora? Cada um vivera para seu
lado: às vezes um cruzara com outro em alguma cidade e então
possivelmente teria perguntado pelo terceiro. Meses, talvez anos,
podem haver passado sem que os três se vissem ou se escrevessem; mas
aqui estamos juntos tão à vontade como se todo o tempo tivéssemos
feito isso.
Falamos
de duas ou três mulheres, rimos cordialmente das coisas de outros
amigos (“aquela vez que o Di chegou de S. Paulo...” “o
Joel outro dia me telefonou de noite...”) mas nossa conversa
era leve e tranquila como a própria manhã, era uma conversa tão
distraída como se cada um estivesse pensando em voz alta suas coisas
mais simples. Às vezes ficávamos sem dizer nada, apenas sentindo a
sol no corpo molhado, olhando o mar, à toa. Éramos três animais já
bem maduros a entrar e sair da água muito salgada, tendo prazer em
estar ao sol. Três bons animais em paz, sem malícia nem vaidade
nenhuma, gozando o vago conforto de estarem vivos e estarem juntos
respirando o vento limpo do mar — como três cavalos, três bois,
três bichos mansos debaixo do céu azul. E tão sossegados e tão
inocentes, que, se Deus nos visse por acaso lá de cima, certamente
murmuraria apenas — “lá estão aqueles três” — e pensaria
em outra coisa.
Rubem
Braga, in Ai de ti, Copacabana
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