As
sentinelas vigiam, os revolucionários conspiram, as ruas estão
vazias. A cidade adormeceu ao ritmo monótono da chuva; as águas da
baía, viscosas de petróleo, lambem, lentas, o cais. Um marinheiro
tropeça, discute com um poste, erra o golpe. Nos pés do morro, arde
como sempre a chama da refinaria. O marinheiro cai de bruços sobre
um charco. Esta é a hora dos náufragos da cidade e dos amantes que
se desejam.
A
chuva cresce, agora mais feroz. Chove de longe; a chuva bate contra
as janelas do café do grego e faz vibrar os vidros. A única
lâmpada, amarela, luz doentia, oscila no teto. Na mesa do canto, não
há nenhuma moça tomando café e fabricando barquinhos com o papel
do açúcar para que o barquinho navegue em um copo d’água e
depois naufrague. Há um homem que vê chover, na mesa do canto, e
nenhuma outra boca fuma de seu cigarro. O homem escuta vozes que vêm
de longe e dizem que juntos somos poderosos como deuses, e dizem:
quer dizer que não valia a pena, toda essa dor inútil, toda essa
sujeira. O homem escuta, essa mentira, estátua de gelo,
como se as vozes não chegassem do fundo da memória de ninguém e
fossem capazes de sobreviver e ficar flutuando no ar, no ar que
cheira a cachorro molhado, dizendo: gosto de gostar de você,
minha linda, minha lindíssima, corpo que eu completo, você me toca
com os dedos e sai fumaça, nunca aconteceu, jamais acontecerá,
e dizendo: tomara que fique doente, que tudo dê errado na sua
vida, que você não possa continuar vivendo. E também:
obrigado, é uma sorte que você exista, que tenha nascido, que
esteja viva, e também: maldito seja o dia que lhe conheci.
Como
acontece sempre que as vozes chegam, o homem sente uma insuportável
vontade de fumar. Cada cigarro acende o próximo enquanto as vozes
vão caindo, trepidantes, e se não fosse pelo vidro da janela com
certeza a chuva machucaria sua cara.
Eduardo
Galeano, in Vagamundo
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