quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Dialética do conto

Narrar é um des-velamento. Desencobrir o que estava velado, no mundo e em si mesmo, e re-velar, tornar a cobrir de véus o que estava evidente, esconder outra vez. Esse duplo movimento, de fazer aparecer e de fazer esconder – o excesso de luz também impede de ver –, é a essência do bom conto. Na poesia, essa dialética melhor se mostra. Na prosa, a luz difusa e homogênea do verbo desgastado pela cotidianidade também permite ver, mas superficialmente e sob um mesmo tom monocromático.
Nesse sentido, o conto, o objeto literário que mais se assemelha à poesia, ainda pode re-velar, desde que evite a tagarelice, o prosaísmo, e consiga equilibrar harmonicamente fábula e trama. Se o contista descura da última, lança o seu objeto nas águas poluídas do entretenimento; se desmerece a primeira, arrisca-se a descaracterizar o gênero, jogando-o no tedioso mar do lirismo em prosa.
Um bom conto esconde o que mostra e mostra o que esconde, exigindo um leitor ativo, capaz de dinamizar as profundas reservas de energia que o texto não pode sonegar, mas que não deve oferecer com a facilidade dos anúncios publicitários.
Charles Kiefer, in Para ser escritor

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