domingo, 1 de novembro de 2015

Busca da verdade

Um homem que busca a verdade torna-se sábio; um homem que pretende dar rédea solta à sua subjetividade torna-se, talvez, escritor; e que fará um homem que busca algo que se situa entre essas duas hipóteses? Mas tais exemplos, os de algo que está “entre”, encontramo-los em qualquer sentença moral, a começar pela mais simples e mais conhecida: “não matarás”. Vê-se imediatamente que não é nem uma verdade nem uma experiência subjetiva. Sabe-se que, em muitos aspectos, nos conformamos estritamente a ela, mas que, por outro lado, se aceitam numerosas exceções, ainda que perfeitamente delimitadas; no entanto, num grande número de casos de um terceiro tipo - por exemplo na imaginação, na esfera dos desejos, nas peças de teatro ou no prazer que experimentamos ao ler as notícias dos jornais - deixamo-nos oscilar descontroladamente entre a aversão e a atração.
Por vezes aquilo a que não podemos chamar nem verdade nem experiência pessoal recebe o nome de imperativo. Tais imperativos foram associados aos dogmas da religião ou da lei, concedendo-lhes assim o caráter de uma verdade derivada, mas os romancistas narram as exceções, a começar pelo sacrifício de Abraão e terminando na bela mulher jovem que matou o amante a tiro, e dissolvem tudo isso de novo em subjetividade. Assim, ou nos agarramos a um qualquer mastro, ou nos deixamos andar ao sabor das ondas - mas com que sentimentos? O sentimento da maior parte das pessoas em relação a este preceito é um misto entre a obediência cega (incluindo a “tendência natural” dos que nem querem pensar numa coisa dessas, mas que, minimamente desviados do seu lugar pelo álcool ou pela paixão, o fazem sem hesitações) e o esbracejar inconsciente numa onda cheia de possibilidades. Não haverá mesmo outra maneira de entender aquela sentença moral?
Robert Musil, in O Homem sem Qualidades

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