Músicos
são presença constante em estações de metrô de várias cidades
europeias. Muitos são ignorados pelos que passam, outros arrecadam o
suficiente para as refeições, e alguns dizem que faturam um bom
dinheiro.
É
raro, porém, que passageiros vejam-se diante de uma futura estrela.
Poucos
anos atrás, o britânico Benjamin Clementine cantava e tocava
guitarra em estações do metrô de Paris, por alguns trocados que o
mantinham vivo.
Passou
inúmeras noites nas ruas da capital francesa, dormindo em calçadas,
enfrentando o frio e a neve. No último dia 20, Clementine
transformou-se num dos mais respeitados cantores da atualidade.
Competindo
com nomes consagrados, recebeu o prêmio anual britânico de música
Mercury de melhor álbum de 2015, por At Least For Now, seu trabalho de estreia.
Cenas
dos tempos difíceis de Benjamin Clementine como sem-teto ainda podem
ser vistas. Algumas de suas apresentações no metrô parisiense
foram registradas em vídeo por passageiros, com seus telefones
celulares, e postadas à época no YouTube.
Em
uma delas, compartilhada na internet em dezembro de 2012, Clementine
equilibra-se no espaço entre dois vagões enquanto oferece aos
passageiros sua versão de Rehab, de Amy Winehouse. Na cena, um homem à sua esquerda parece mais
interessado no livro que lê, mas uma mulher se aproxima para lhe dar
umas moedas – e ele agradece. Outros o acompanham no refrão e
cantam “No, no, no”.
Em
outra apresentação registrada em vídeo, publicado por uma
passageira no YouTube em setembro de 2011, ele reproduz os versos de No Woman, No Cry, de Bob Marley. Sua potente voz toma conta
dos corredores da estação. “Everything is gonna be alright,
everything is gonna be alright”, repete um ainda pobre e
desconhecido Clementine.
Ele
tinha razão. Tudo acabou dando certo. Em outubro de 2013, já de
volta a Londres, Clementine surgiu pela primeira vez na TV britânica,
no programa musical de Jools Holland, da BBC.
Se
no metrô sua companheira inseparável era a guitarra acústica, em
sua versão profissional seu principal instrumento é o piano. Nele,
Clementine apresentou na BBC sua primeira música lançada, Cornerstone, responsável por conquistar a imediata admiração de Paul McCartney.
Com
os pés descalços, uma de suas marcas, Clementine impressionou a
todos não apenas por sua cativante voz e estilo de tocar, que
levaram a comparações com Nina Simone.
Ele
mostrou também ter muito a dizer. “Eu estou solitário, sozinho
numa caixa de pedra / Eles dizem que me amam, mas estão mentindo /
Estou solitário, sozinho na minha própria caixa / E a este lugar
que agora pertenço / É a minha casa, casa, casa”, canta ele na
belíssima Cornerstone.
Nos
meses seguintes, Clementine lançou um segundo EP e trabalhou na
produção de seu primeiro álbum.
Demorou
um ano e meio até que At Least For Now fosse lançado e, apesar do impacto positivo
entre críticos e da indicação ao prêmio Mercury, a disputa pela
maior glória da música britânica foi acirrada.
Com
concorrentes mais badalados ou já consagrados, como a banda indie
Wolf Alice, Florence and the Machine e Aphex Twin, Benjamin
Clementine não acreditava que poderia sair vencedor. “Sempre quis
ser indicado para este prêmio, mas nunca pensei que eu pudesse
vencer. Sempre fiz piada sobre isso!”, disse o cantor de 26 anos.
Maior
prêmio da música
O
Mercury é o maior reconhecimento almejado por artistas do Reino
Unido e da Irlanda. É entregue ao melhor álbum do ano, escolhido
por um júri de 12 pessoas formado por críticos, músicos e
compositores.
Entre
grandes nomes já vitoriosos estão as bandas Primal Scream,
vencedora da primeira edição do prêmio, em 1992, Portishead (1995)
e Arctic Monkeys (2006). A cantora PJ Harvey venceu duas vezes, em
2001 e 2011, enquanto Amy Winehouse e Adele foram apenas indicadas,
duas vezes cada.
Estar
entre os 12 indicados, no entanto, já é considerado uma honra capaz
de impulsionar a carreira de qualquer artista. No caso de Clementine,
a vitória, já em seu primeiro álbum, apenas três anos depois de
sua realidade de cantor de rua, é um feito impressionante – e
merecido.
O
trabalho de Benjamin Clementine oferece um conjunto de qualidades de
que o atual cenário musical mundial anda carente.
Apesar
de não ler partituras, ele é um músico de qualidade, autor de
melodias que cativam e podem levar muitos às lágrimas. Muitas vezes
ele parece apenas declamar sobre as notas do piano, tocado de forma
simples e melancólica. Quando decide soltar a voz, Clementine é
capaz de chamar a atenção do mais desatento dos ouvintes e comover
a mais gelada das almas.
Sua
obra tem ainda mais força devido às letras, que tratam de sua
experiência de vida e suas emoções. Além de músico e cantor,
Clementine é reconhecido como poeta e já disse que pretende lançar
um livro com seus versos. “Eu não acho que seja um cantor, acho
que sou um expressionista”, afirmou ele no ano passado, ao jornal The Guardian.
Quem
já conversou com Clementine reparou em sua fala mansa, de tom baixo
e tímido, que contrasta com a força de seu desempenho diante do
microfone. “Assim que paro de cantar, eu volto a ser tímido. Tenho
uma fala mansa porque eu realmente nunca falava com as pessoas. Eu
não aprendi a fazer isso”, disse ao Guardian.
Como
no caso de muitos outros artistas, seu trabalho é resultado direto
de sua vida, seja dormindo nas ruas em Paris ou crescendo no bairro
de Edmonton, no norte de Londres.
Clementine
era o mais novo de cinco filhos, e sua família é originária de
Gana, no oeste da África. Problemas com familiares e a sensação de
que ninguém em Londres se importaria com sua ausência o levaram a
trocar a cidade por Paris, em 2010, aos 21 anos, quando seu interesse
por música e literatura já estava consolidado.
Ele
admite ter sido um garoto difícil, que escapava das aulas da escola.
Diferentemente de outros, entretanto, Clementine não fugia em
direção às ruas, mas à biblioteca, onde mergulhava em obras de
autores como T.S. Eliot e William Blake. Essa experiência foi vital
para que produzisse letras de forte cunho poético, como a de Condolence. “Você sentiu esse sentimento / Me diga, não sinta vergonha / Você
sentiu isso antes / Então não me diga / Não me diga o contrário /
Eu quase me esqueci, que tolo / De onde eu venho, você vê a chuva /
Antes mesmo de a chuva começar a chover.”
Para
as vítimas de Paris
Benjamin
Clementine recebeu o Mercury numa cerimônia na sexta-feira, 20 de
novembro, uma semana após os atentados do Estado Islâmico que
mataram ao menos 130 pessoas em Paris. Após ser anunciado como
vencedor e chamar ao palco todos os outros concorrentes, ele dedicou
a conquista às vítimas dos ataques, num discurso interrompido pelo
choro que não conseguiu conter.
O
vídeo de uma de suas músicas revela como Paris permanece no seu
coração. A faixa London fala sobre a esperança por um futuro positivo para
Clementine, o que talvez tenha ocorrido antes do que ele esperava.
“Londres Londres Londres está te chamando / O que você está
esperando, o que você está procurando? / Londres Londres Londres
está tudo dentro de você / Por que você está negando a verdade?”
O
vídeo, porém, não foi filmado em Londres, mas em Paris. Enquanto
canta os belos versos de London, Benjamin Clementine aparece, novamente descalço, no topo de um
prédio em sua cidade adotiva. No horizonte, imponente, está a Torre
Eiffel, em imagens que servem como uma declaração de amor à
paisagem parisiense.
Em
tempos de ódio e conflitos, declarações de amor são ainda mais
bem-vindas, especialmente quando ignoram fronteiras e aproximam
culturas.
O
aparecimento de Benjamin Clementine representa mais que um ganho de
qualidade para a cena musical britânica – e mundial.
De
família africana, nascido no Reino Unido e com a França em sua
história de vida, o cantor britânico simboliza a diversidade que
compõe cidades como Londres, Paris ou São Paulo, a mesma
diversidade que se vê ameaçada por ataques de extremistas como os
ocorridos em Paris.
Clementine
mostra que a guerra contra o fanatismo não será vencida apenas com
bombardeios e aparato policial. Ela também contará com música e
poesia.
Fonte:
www.bbc.com.br. Link aqui.
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