A
ideia de que a leitura pode contribuir para o bem-estar é sem dúvida
tão antiga quanto a crença de que pode ser perigosa ou nefasta.
Seus poderes reparadores, em particular, foram notados ao longo dos
séculos. “O estudo foi para mim o remédio soberano contra os
desgostos da vida, não tendo existido jamais uma dor que uma hora de
leitura não afastasse de mim”, escreveu Montesquieu. Mais perto de
nós, no século XX, pensemos no papel que a leitura ou a recordação
de textos lidos desempenharam para tantos deportados nos campos de
concentração nazistas, ou para os que resistiram ao degredo
stalinista. Primo Levi recitava Dante a seu amigo Pikolo, em
Auschwitz, e os companheiros de Robert Antelme se lembravam dos
poemas que transcreviam em pedaços de cartão, encontrados no
depósito da fábrica. Brodsky, condenado a trabalhos forçados em um
lugar próximo ao círculo polar, lia Auden, de onde tirava forças
para sobreviver e enfrentar os carcereiros. E a biblioteca que
Chalámov encontrou depois de ter deixado o campo de Kolimá lhe pôs
de pé: “A extraordinária biblioteca de Karaiev — não havia um
único livro que não merecesse ser lido — me ressuscitou, me
rearmou para a vida o quanto era possível”.
Nas
prisões dos militares argentinos e uruguaios, vários homens e
mulheres redescobrirão essa importância vital dos livros ou da
recordação de textos lidos. Assim como fará Jean-Paul Kauffmann,
prisioneiro durante três anos no Líbano: quando não tinha mais
nada para ler, recordava os poemas ou romances “de antes”,
empenhando-se em recuperar “a impregnação”:
“Essa
ginástica da memória não se ocupava de maneira alguma da história.
Reconstituir a intriga de O vermelho e o negro, Eugénie Grandet
ou Madame Bovary não era o objetivo que eu perseguia. Recriar a
lembrança de uma leitura, reconhecer em mim os rastros que
perduraram, recuperar a impregnação, eis a meta que estabeleci. Dar
um significado àquilo que eu lia era secundário. Procurava
embeber-me do texto, não a sua interpretação. [...] Eu jamais
tinha devorado [um texto] com tamanha intensidade. Esquecia a cela.
Enfiado no fundo da minha leitura, produzindo em mim mesmo um outro
texto. Fruição estranha, equivalia a uma reconquista provisória da
liberdade. [...] Encarcerado e sob a luz de uma vela, conheci a
adesão absoluta ao texto, a fusão integral com os símbolos que o
compunham — a questão do sentido, repito, era secundária”.
Para
além dessas situações extremas, a contribuição da leitura para a
reconstrução de uma pessoa após uma desilusão amorosa, um luto,
uma doença etc. — toda perda que afeta a representação de si
mesmo e do sentido da vida — é uma experiência corrente, e
numerosos escritores a testemunharam, como Sérgio Pitol em uma
entrevista que encontro na noite em que escrevo estas linhas: tendo
perdido seu pai, quando era bebê, e logo depois sua mãe, com cinco
anos de idade, ele fica gravemente doente; embora não pudesse mais
ir à escola, a casa onde sua avó o acolheu era repleta de livros:
“Minha avó lia sem parar. E eu apanhava tudo o que me caía nas
mãos. [...] Com doze anos, descobri Guerra e paz e não
fiquei mais doente. Continuo acreditando que Tolstói me salvou”.
Michèle
Petit, in A arte de ler: ou como resistir à adversidade
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