Nunca
se despreze o poder de uma ideia cuja hora chegou. Minha rebelião
contra a salsinha ganha adeptos e, a julgar pela correspondência que
recebo, esta era uma causa à espera do primeiro grito. Só não
conseguimos ainda nos organizar e partir para a mobilização —
manifestações de rua, abraços a prédios públicos — porque
persiste uma certa indefinição de conceitos. Eu sustento que
“salsinha” é nome genérico para tudo que está no prato só
para enfeite ou para confundir o paladar, o que incluiria até
aqueles galhos de coisa nenhuma espetados no sorvete, o cravo no doce
de coco, etc. Outros, com mais rigor, dizem que salsinha é,
especificamente, o verdinho picadinho que você não consegue raspar
de cima da batata cozida, por exemplo, por mais que tente. Outros,
mais abrangentes até do que eu, dizem que salsinha é o nome de tudo
que é persistentemente supérfluo em nossas vidas, da retórica ao
porta-aviões, passando pelo cheiro-verde. Meu conselho é que
evitemos a metáfora e a disputa semântica e, unidos pela mesma
implicância, passemos à ação. Para começar, sugiro um almoço
informal com o presidente da República, em Brasília, para discutir
a gravidade da questão, que certamente não merece menos atenção
do que as novelas da Globo.
Mas,
como se esperava, começou a reação dos pró-salsinhas. Alegam que
a salsinha não é uma inconsequência culinária mas tem importância
gastronômica reconhecida, tanto que na cozinha francesa o persillé
faz parte do nome do prato — isto é, eles não só usam a salsinha
como a anunciam! Não se deve esquecer que os franceses também têm
um nome elegante, faisandé,
para comida podre. E não podia faltar: um salsófilo renitente, o
jornalista Reali Jr., alega que a salsinha é, inclusive,
afrodisíaca. Como Reali Jr. é um notório frequentador de
restaurantes árabes em Paris e muitos pratos da cozinha árabe, como
se sabe, são só salsinha (com salsinha em cima), seu argumento
fanatizado pode ser desqualificado como golpe baixo. Agora só falta
dizerem que o verde intrometido tem vitamina V.
Luís
Fernando Veríssimo,
in A
mesa voadora
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