“O
filósofo Pírron, encontrando-se num barco num dia de grande
tormenta, mostrava aos que via mais apavorados ao seu redor um
porquinho que lá estava, nem um pouco preocupado com aquela
tempestade, e encorajava-os com o seu exemplo. Ousaremos dizer então
que esse privilégio da razão, que tanto celebramos e por causa do
qual nos consideramos donos e imperadores do restante das criaturas,
tenha sido colocado em nós para tormento nosso? De que adianta o
conhecimento das coisas se com isso perdemos o repouso e a
tranquilidade que sem ele teríamos, e se nos torna de condição
pior do que o porquinho de Pírron? A inteligência que nos foi dada
para nosso maior bem, empregá-la-emos para nossa ruína, lutando
contra o desígnio da natureza e contra a ordem universal das coisas,
que indica que cada qual use os seus instrumentos e meios para
benefício próprio?”
Michel
de Montaigne,
in
Ensaios
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