Ninguém
é mais admirado ou invejado do que o come e não engorda. Você o
conhece. É o que come o dobro do que nós comemos e tem a metade da
circunferência e ainda se queixa:
— Não
adianta. Não consigo engordar. O come e não engorda é meu ídolo.
Só não lhe peço autógrafo por inibição. Meu sonho é emagrecer
e depois nunca mais engordar, por mais que tente. Quando eu diminuir,
quero ser um come e não engorda.
Não
se deve confundir o come e não engorda com o enfastiado. Este
pertence a outra espécie. Não é humano. Pode até ser melhor do
que nós, um aperfeiçoamento, mas não é humano. Afinal, o que une
a humanidade é o seu apetite comum. Não é por nada que partilhar
da comida com o próximo tem sido um símbolo de concórdia desde as
primeiras cavernas. Até hoje as conferências de paz se fazem em
volta de uma mesa onde a comida, se não está presente, está
implícita. Desconfie do enfastiado. Ele será um agente de outra
galáxia ou um poço de perversões, ou as duas coisas. De qualquer
maneira, mantenha-o longe das crianças. Quando encontrar alguém na
frente de um prato cheio só emparelhando as ervilhas com a ponta da
faca, notifique os órgãos de segurança. É um enfastiado e pode
ser perigoso. Sempre achei que as pessoas que comem como um
passarinho deviam ser caçadas a bodoque. O seu fastio, inclusive, é
um escárnio aos que querem comer e não podem.
Já
o come e não engorda compartilha do nosso apetite, só não
compartilha das consequências. Ele repete a massa e não tem
remorso. Pede mais chantilly e sua voz não treme. Molha o pão no
café com leite! E ainda se queixa:
— Há
15 anos tenho o mesmo peso.
O
come e não engorda só parou de mamar no peito porque proibiram sua
mãe de ficar junto no quartel. Quando o come e não engorda nasceu,
uma estrela misteriosa apareceu no Guide Michelin de restaurantes
para aquele ano. O come e não engorda caminha sobre a sauce bernaise
e não afunda. Multiplica os filés de peixe à meunière e os pães
de queijo. Por onde o come e não engorda passa, as ovelhas se atiram
para trás e pedem “me assa!”. O come e não engorda tem o
segredo da Vida e da Morte e, suspeita-se, o telefone da Bruna
Lombardi. E ainda se queixa:
— Tenho
que tomar quatro milk-shakes entre as refeições. Dieta.
Dieta!
E você ali, de olho arregalado.
Luís
Fernando Veríssimo, in A mesa voadora
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