“Os
argumentos relativos ao problema da existência de Deus têm sido
viciados, quando positivos, pela circunstância de frequentemente se
querer demonstrar, não a simples existência de Deus, senão a
existência de determinado Deus, isto é, dum Deus com determinados
atributos. Demonstrar que o universo é efeito de uma causa é uma
coisa; demonstrar que o universo é efeito de uma causa inteligente é
outra coisa; demonstrar que o universo é efeito de uma causa
inteligente e infinita é outra coisa ainda; demonstrar que o
universo é efeito de uma causa inteligente, infinita e benévola
outra coisa mais. Importa, pois, ao discutirmos o problema da
existência de Deus, nos esclareçamos primeiro a nós mesmos sobre,
primeiro, o que entendemos por Deus; segundo, até onde é possível
uma demonstração.
O
conceito de Deus, reduzido à sua abstração definidora, é o
conceito de um criador inteligente do mundo. O ser interior ou
exterior a esse mundo, o ser infinitamente inteligente ou não —
são conceitos atributários. Com maior força o são os conceitos de
bondade, e outros assim, que, como já notamos têm andado misturados
com os fundamentais na discussão deste problema.
Demonstrar
a existência de Deus é, pois, demonstrar, (1) que o universo
aparente tem uma causa que não está nesse universo aparente como
aparente (2) que essa causa é inteligente, isto é, conscientemente
ativa. Nada mais está substancialmente incluído na demonstração
da existência de Deus, propriamente dita.
Reduzido
assim o conteúdo do problema às suas proporções racionais, resta
saber se existe no raciocínio humano o poder de chegar até ali, e,
chegando até ali, de ir mais além, ainda que esse além não seja
já parte do problema em si, tal como o devemos pôr.”
Fernando
Pessoa,
in
Ideias Filosóficas
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