Imagem: Felipe Miguel/Flickr
“O
senhor saiba: eu toda a minha vida pensei por mim, forro, sou nascido
diferente. Eu sou é eu mesmo. Divêrjo de todo o mundo... Eu quase
que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa. O senhor concedendo,
eu digo: para pensar longe, sou cão mestre ― o senhor solte em
minha frente uma ideia ligeira, e eu rastreio essa por fundo de todos
os matos, amém! Olhe: o que devia de haver, era de se reunirem-se os
sábios, políticos, constituições gradas, fecharem o definitivo a
noção ― proclamar por uma vez, artes assembleias, que não tem
diabo nenhum, não existe, não pode. Valor de lei! Só assim, davam
tranquilidade boa à gente. Por que o Governo não cuida?!
Ah,
eu sei que não é possível. Não me assente o senhor por beócio.
Uma coisa é pôr ideias arranjadas, outra é lidar com país de
pessoas, de carne e sangue, de mil-e-tantas misérias... Tanta gente
― dá susto se saber ― e nenhum se sossega: todos nascendo,
crescendo, se casando, querendo colocação de emprego, comida,
saúde, riqueza, ser importante, querendo chuva e negócios bons...
De sorte que carece de se escolher: ou a gente se tece de viver no
safado comum, ou cuida só de religião só. Eu podia ser: padre
sacerdote, se não chefe de jagunços; para outras coisas não fui
parido. Mas minha velhice já principiou, errei de toda conta. E o
reumatismo... Lá como quem diz! nas escorvas. Ahã.”
Fala
de Riobaldo, in Grande sertão: veredas, de Guimarães
Rosa
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