“A
alegria pode sofrer interrupções no caso de pessoas ainda
insuficientemente avançadas, enquanto, no caso do sábio, o bem
estar é um tecido contínuo que nenhuma ocorrência, nenhum acidente
pode romper; em todo o tempo, em todo o lugar o sábio goza de
tranquilidade! Porquê? Porque o sábio não depende de fatores
externos, não está à espera dos favores da fortuna ou dos outros
homens. A sua felicidade está dentro dele; fazê-la vir de fora
seria expulsá-la da alma, que é onde, de fato, a felicidade nasce!
Pode uma vez por outra surgir qualquer ocorrência que lembre ao
sábio a sua condição de mortal, mas ocorrências deste tipo são
de somenos importância e não o atingem mais do que à flor da pele.
O sábio, insisto, pode ser tocado de leve por um ou outro
contratempo, mas para ele o sumo bem permanece inalterável. Volto a
dizer que lhe podem ocorrer contratempos provindos do exterior, tal
como um homem de físico robusto não está livre de um furúnculo ou
de uma ferida superficial; em profundidade, porém, não há mal que
o atinja.
A
diferença existente, insisto ainda outra vez, entre o homem que
atingiu a plenitude da sabedoria e aquele que ainda lá não chegou é
a mesma que se verifica entre um homem são e um convalescente de
doença grave e prolongada. Para este a diminuição da intensidade
da doença já quase significa saúde mas, se não se precaver, o mal
rapidamente se agrava e volta à primitiva forma; o sábio, em
contrapartida, nem pode retroceder, nem sequer avançar mais na via
da sapiência. A saúde do corpo está à mercê do tempo e o médico,
se a pode restituir, não a pode garantir perpetuamente, e tanto
assim é que com frequência o mesmo doente o volta de novo a chamar;
a saúde da alma, essa - obtém-se de uma vez por todas - e
totalmente! Dir-te-ei agora o que significa uma alma sã: é cada um
contentar-se consigo mesmo, ter confiança em si próprio, saber que
todos os votos feitos pelos homens, todos os benefícios que trocam
entre si não têm a mínima importância para a obtenção da
felicidade. Uma coisa passível de acréscimo não é uma coisa
perfeita; o homem que quer vir a possuir uma permanente alegria, tem
de fruir apenas do que efetivamente lhe pertence. Ora todos os bens a
que o comum dos mortais aspira são, de uma forma ou outra,
transitórios, pois de coisa alguma a fortuna nos permite a posse
para sempre.”
Sêneca,
in
Cartas a Lucílio
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