sábado, 1 de agosto de 2015

Sobre a vida e a morte

Segundo a expressão de Lavelle, a morte dá a todos os acontecimentos que a precederam esta marca do absoluto que nunca possuiriam se não viessem a interromper-se”. O absoluto habita em cada uma das nossas empresas, na medida em que cada uma se realiza de uma vez para sempre e não será nunca recomeçada. Entra na nossa vida através da sua própria temporalidade. Assim o eterno torna-se fluido e reflui do fim ao coração da vida. A morte já não é a verdade da vida, a vida já não é a espera do momento em que a nossa essência será alterada. O que há sempre de incoativo, de incompleto e de constrangedor no presente não é já um sinal de menor realidade.
Mas então a verdade de um ser já não é aquilo em que se tornou no fim ou a sua essência, mas o seu devir ativo ou a sua existência. E se, como Lavelle dizia em tempos, nos julgamos mais perto dos mortos que amamos do que dos vivos, é porque já nos não põem em dúvida e daqui para o futuro podemos sonhá-los a nosso gosto. Esta piedade é quase ímpia. A única recordação que lhes diz respeito é a que se refere ao uso que faziam de si próprios e do seu mundo, o acento da sua liberdade na incompletude da vida. O mesmo frágil princípio faz-nos viver e dá ao que fazemos um sentido inesgotável.
Maurice Merleau-Ponty, in O Elogio da Filosofia

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