E
uma família pernoita numa vala e outra família chega e as tendas
surgem. Os dois homens acocoram-se no chão sobre os calcanhares e as
mulheres e as crianças escutam em silêncio. Aqui esta o nó, ó tu,
que odeias as mudanças e temes as revoluções. Mantém esses dois
homens afastados, faz com que eles se odeiem, se receiem, desconfiem
um do outro. Porque aí começa aquilo que tu temes. Aí é que esta
o germe do que te apavora. É o zigoto. Porque aí transforma-se o
“Eu perdi as minhas terras” rompe-se uma célula e dessa célula
rompida brota aquilo que tu tanto odeias: o “Nós perdemos as
nossas terras”. Aí é que reside o perigo, pois que dois homens
nunca se sentem tão sozinhos e tão abatidos como um só. E desse
primeiro “nós” nasce algo muito mais perigoso: “eu tenho um
pouco de comida” mais “eu não tenho nenhuma”. E o resultado
desta soma é: “Nós temos um pouco de comida”. Então, a coisa
toma um rumo, o movimento passa a ter um objetivo. Basta, nessa
altura, uma pequena multiplicação e esse trator, essas terras são
nossas. Os dois homens acocorados numa vala, a pequena fogueira, a
carne a fritar numa frigideira comum, as mulheres caladas, de olhos
vidrados; atrás delas as crianças, escutando com o coração
palavras que o seu cérebro não alcança.
A
noite desce. A criança sente frio. Olhe, tome esse cobertor. É de
lã. Pertenceu a minha mãe – tome, fique com ele para a criança.
Sim, é aí que tu deves lançar a tua bomba. É este o começo da
passagem do “Eu” para o “Nós”.
Se
tu, que tens tudo o que os outros precisam ter, puderes compreender
isto, saberás também defender-te. Se tu souberes separar causas de
efeitos, se souberes que Paine, Marx, Jefferson, Lênin, foram
efeitos e não causas, sobreviverás. Mas isso é que tu não podes
compreender, pois que a qualidade da posse te cristalizou para sempre
na fórmula do “eu” e para sempre te há-de isolar do “nós”.
John
Steinbeck, in As vinhas da ira
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