terça-feira, 4 de agosto de 2015

A braganha

Pois lhe digo, compadre, mulezinha vale muito mais do que você pensa.
Penso assim, não. Vaquinha tem mais valor.
Duas malhadas não pagam mulezinha.
E o leite, compadre?
Futuca o nariz e, de piparote, arremessa longe a bolinha.
Pensa que mulezinha não dá leite?
De litro, não.
Levanta do tamborete e vai até o embornal pegar o fumo. Naco grande, cortado a canivete de folha.
Não conhece mulezinha. Mais de litro quando menino não suga os peito. Carece tirar com bombinha. Não encaroçar.
Convence, não. Vaquinha dá carne.
Espicaça o fumo na palma da mão. Cerimônia lenta e cuidadosa.
Depois de morta. Vaquinha só dá carne quando vira gado defunto. Mulezinha, não.
A lâmina gasta do canivete alisa a palha. Despeja o fumo.
Vaquinha dá bezerro.
Mulezinha dá fio hominho.
Enrola a palha. Na beirada, passa a língua saburrosa. Sela o pito.
A malhada e um saco de feijão. Quiser…
Mais valor. Tem negócio, não.
Vai até o fogão de barro branco. Assopra o tição, avivando a brasa na ponta. Fumaça pelo nariz e pela boca. Cospe um fiapo de fumo.
A malhada, um saco de feijão e…
E?
– … e o tordilho.
Pouco. Mulezinha vale mais.
A barba rala espalhada no queixo pontudo. Bigode, nenhum.
De ouro essa mulezinha.
Mulezinha é prendada. Faz lavoura, capina, campeia, cozinha, lava, e passa a brasa. E tem dois dentes de ouro. Bem aqui, ó.
Aponta os dois caninos vampirescos, amarelos por conta do fumo.
Ver a mulezinha.
Depois de preço acertado.
Dou mais a carabina. Dois canos, azeitada.
Acrescenta muito, não.
Com trinta cartuchos.
Cospe no chão e esfrega com o pé descalço a pequena mancha úmida e raiada.
Mulezinha é caça grossa. Qualquer tareco vou aceitando, não.
Dou minha sanfona também.
Toco música, não.
Difícil negociar. Vender ou não vender mulezinha?
Depende melhorar a oferenda.
Reacende o pito no tição. A brasa queima um lado mais que o outro. Baforada comprida, a palha entre o polegar e o indicador.
Findar amolação: dou a papo amarelo. Garrucha de estimação. Foi do avô.
É muita arma de fogo. Melhorando. Mulezinha é fogo!
Oferto mais não.
Achando não haver negócio.
Tá brincando.
Bate a cinza do pito na lata de querosene vazia. Descansa um dos pés no joelho e coça o comichão que lateja no vão dos dedos.
É como lhe digo, compadre. Cafuné de mulezinha é que nem cosquinha de bicho-de-pé. Se quiser mulezinha, bote coisa de mais apreço.
Só se for comadre. E comadre, dou não.
Bem que topava uma comparação. Quantos anos têm comadre?
Solta a fumaça preguiçosa a desenhar arabescos pelo ar. Chupa o cigarro de palha lentamente. A pressa é inimiga da negociação.
José de Castro, in www.substantivoplural.com.br

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