– Pois
lhe digo, compadre, mulezinha vale muito mais do que você pensa.
– Penso
assim, não. Vaquinha tem mais valor.
– Duas
malhadas não pagam mulezinha.
– E
o leite, compadre?
Futuca
o nariz e, de piparote, arremessa longe a bolinha.
– Pensa
que mulezinha não dá leite?
– De
litro, não.
Levanta
do tamborete e vai até o embornal pegar o fumo. Naco grande, cortado
a canivete de folha.
– Não
conhece mulezinha. Mais de litro quando menino não suga os peito.
Carece tirar com bombinha. Não encaroçar.
–
Convence,
não. Vaquinha dá carne.
Espicaça
o fumo na palma da mão. Cerimônia lenta e cuidadosa.
–
Depois
de morta. Vaquinha só dá carne quando vira gado defunto. Mulezinha,
não.
A
lâmina gasta do canivete alisa a palha. Despeja o fumo.
–
Vaquinha
dá bezerro.
–
Mulezinha
dá fio hominho.
Enrola
a palha. Na beirada, passa a língua saburrosa. Sela o pito.
– A
malhada e um saco de feijão. Quiser…
– Mais
valor. Tem negócio, não.
Vai
até o fogão de barro branco. Assopra o tição, avivando a brasa na
ponta. Fumaça pelo nariz e pela boca. Cospe um fiapo de fumo.
– A
malhada, um saco de feijão e…
– E?
– … e
o tordilho.
–
Pouco.
Mulezinha vale mais.
A
barba rala espalhada no queixo pontudo. Bigode, nenhum.
– De
ouro essa mulezinha.
–
Mulezinha
é prendada. Faz lavoura, capina, campeia, cozinha, lava, e passa a
brasa. E tem dois dentes de ouro. Bem aqui, ó.
Aponta
os dois caninos vampirescos, amarelos por conta do fumo.
– Ver
a mulezinha.
–
Depois
de preço acertado.
– Dou
mais a carabina. Dois canos, azeitada.
–
Acrescenta
muito, não.
– Com
trinta cartuchos.
Cospe
no chão e esfrega com o pé descalço a pequena mancha úmida e
raiada.
–
Mulezinha
é caça grossa. Qualquer tareco vou aceitando, não.
– Dou
minha sanfona também.
– Toco
música, não.
–
Difícil
negociar. Vender ou não vender mulezinha?
–
Depende
melhorar a oferenda.
Reacende
o pito no tição. A brasa queima um lado mais que o outro. Baforada
comprida, a palha entre o polegar e o indicador.
–
Findar
amolação: dou a papo amarelo. Garrucha de estimação. Foi do avô.
– É
muita arma de fogo. Melhorando. Mulezinha é fogo!
–
Oferto
mais não.
–
Achando
não haver negócio.
– Tá
brincando.
Bate
a cinza do pito na lata de querosene vazia. Descansa um dos pés no
joelho e coça o comichão que lateja no vão dos dedos.
– É
como lhe digo, compadre. Cafuné de mulezinha é que nem cosquinha de
bicho-de-pé. Se quiser mulezinha, bote coisa de mais apreço.
– Só
se for comadre. E comadre, dou não.
– Bem
que topava uma comparação. Quantos anos têm comadre?
Solta
a fumaça preguiçosa a desenhar arabescos pelo ar. Chupa o cigarro
de palha lentamente. A pressa é inimiga da negociação.
José
de Castro, in www.substantivoplural.com.br
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