Faz tempo que não escrevo nada sobre televisão. Meu livro Olho de Vidro, publicado em 2011 (indicado em 2012 ao Prêmio Jabuti), me fez perguntar por que as pessoas que assistem televisão em geral não o leram ( o livro teve duas edições, mas, segundo muitos, é muito complicado para quem está acostumado a ver televisão e não tem o hábito de ler...).
A resposta está dada. No Brasil a televisão substituiu os livros. Isso não quer dizer que quem vê televisão não lê livros, mas quer dizer que existe uma cultura em que a televisão tem um poder tão incrível que dispensa de outras experiências “intelectuais”.
Não
se enganem, a televisão é uma experiência intelectual, uma
experiência de conhecimento, só que empobrecida.
No
livro eu falava da cultura brasileira da inveja. A televisão mexe
com a nossa inveja. Por isso, usei a metáfora do “olho de vidro”.
Não apenas porque essa metáfora explica o lugar da televisão como
“prótese de conhecimento”, mas porque o olho de vidro tem a
estrutura da inveja. A televisão é um “olho gordo” de vidro.
TV is Kitsch, 1996, de Nam June Paik
A
inveja é um tipo de desejo impotente. O invejoso é sempre
impotente. Ele olha para quem ele inveja e se sente menor, daí a sua
raiva, o seu rancor, o seu ressentimento. Ele gostaria de ser o
outro, mas não é. A vida do invejoso é muito triste porque ele não
pode fazer nada. Ele não pode ser outra pessoa, ele não pode ser
melhor do que é. Mas ele está só delirando, porque ele poderia
aprender a se desejar e ser uma pessoa diferente.
O
telespectador é aquela pessoa que é orientada à inveja, não ao
desejo. Qual a diferença entre uma coisa e outra? É que a inveja
faz você imitar o outro enquanto no desejo você pode se inventar. O
invejoso não quer ser uma pessoa singular. Em vez de olhar para seu
corpo, sua roupa, seu trabalho, sua vida em geral como se fosse uma
obra de arte a ser construída, ele se olha como um erro que só pode
ser consertado por imitação de um modelo. É esse modelo que ele
inveja. Então ele imita.
A
imitação faz comprar. Comprar, aliás, já é um ato de imitação.
O outro comprou e eu também compro. O outro usa e eu também uso. No
extremo, o outro vê um filme, uma novela, e eu também vejo. Assim a
pessoa se sente poderosa, fazendo a “coisa certa”, tendo
vantagem. Chamei de “desejo de audiência” esse processo de
imitação que é o mecanismo social da inveja.
A
televisão tenta administrar os afetos das pessoas. A inveja é um
afeto bem primitivo. Digo “afeto”, mas não sei se as pessoas
entendem bem o que é isso. Um dia eu tento escrever mais sobre.
Hoje, vou usar o termo sentimento, porque o sentimento todo mundo
entende. Quero dizer com isso que a cada época a televisão
administra os nossos sentimentos. A inveja é básica na televisão.
É o pano de fundo, o chão, a sustentação da experiência que a
gente tem com a TV. Mas hoje em dia outros sentimentos estão em
jogo.
Veja
o texto completo de Marcia Tiburi aqui.
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